17/07/08

Exodus - XXIV

Por vezes corria um sopro, o ar ao de leve tocava
as folhas da macieira e enxertava vida nas pedras,
brancas de tanto uso, e dissolvia-se no horizonte.
Se o perscrutavam, apenas ouviam
o zunido nos telhados, a música rangia. As pessoas
passavam e olhavam como se ao olhar ouvissem,
mas tudo voltava à apressada calma
com que os dias enchiam
as horas vagarosas da infância,
olhos perdidos nas aventuras, chegavam
naqueles livros de papel reles, trocados
na azáfama com que os leitores preenchiam as tardes,
as de verão, digo, naquela terra da infância cheia
de sapateiros e latoeiros e tanoeiros e barbeiros
e um exército de carpinteiros. Ouvi quando disseste:
também farão uma arca de madeira. Mas eles partiram,
foram colher flores nos campos, depois afastaram-se
cobertos de nuvens, traçando ruas de azevinho,
casas remendadas de giestas, afastaram-se uivando,
esquecidos da arca de madeira, esquecidos de ti,
não sabendo o nome, pois lho roubaram
ao pôr os pés no chão, ao inscreverem no musgo
rasgos de solidão, soletrando crepúsculos, agitando mãos,
se carros passavam deixando-os na poeira, gritando
pelas tarde de paixão, quando a cruz se elevava
e corria um sopro, o ar ao de leve tocava as folhas da macieira
e enxertava vida nas pedras brancas, então as guardavam
nos bolsos das calças, uma ainda resta,
presa no fundo negro onde habita o coração.

Jorge Carreira Maia (2007). Exodus.

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