10/07/08

Exodus - XVII

Apagaram-se os lilases quando à porta bateram
e a noite se cerrou, ocultando regatos, areias, pedras
brancas e lisas, os primeiros passos, então os deste.
Pelos corredores, os animais degolados passavam
enlouquecidos e nas ruas projécteis de aço
a incendiar silêncios no coração. Os tumultos feriam
o peito, o medo o assediava, e por isso tomaram
uma pedra e a puseram debaixo dele e logo da boca
um canto vagaroso cresceu, inundou de archotes
os pátios, ateou bandeiras pelas portas que bateram,
empurradas pelas giestas, do silêncio
se desprendiam. Na mecânica celeste,
nas órbitas, os planetas as desenhavam, tudo se tornara
movediço, rota incerta, aterrada fúria nos
campos onde o caos silente se estende.

Os dedos despediram-se das mãos e partiram
tocando searas, fendendo musgos, abrindo
sulcos de sangue e saliva no veludo invernoso,
a vida cobre. Passam carros nocturnos,
expelem relâmpagos e deixam troar os motores
acordando a noite, fazendo gritar das crianças
a garganta inquieta, a voz as empalidece.
Um zumbido misturava-se no ar da cidade,
era Fevereiro, e as chuvas ainda não
haviam descido sobre os telhados de zinco.
O betão arfava ressequido e as janelas estremeciam,
se mãos cintilantes não lhes davam por alimento
água; pura, incolor, sem mácula de sabor ou som.

Preso ao mastro, um animal olhava a fúria
e despedia-se da vida cantando as regras,
a tarde lhas dera. Das mãos, os dedos
tinha perdido e das flores esquecera
os lilases, como se tivessem secado
e ressequidos entrassem na noite,
hermeticamente fechados, lembrando
os animais degolados, na boca
dos que cantavam corriam, a gritar inocência,
um manto de vergonha lhes cabia.
Um estampido soou. Escondidos,
abriam-se ao som pela alvorada do silêncio.

Jorge Carreira Maia (2007). Exodus.

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