07/07/08

Exodus - XIV

Rebentaram os diques, depois os taludes,
a barragem cedeu ao relâmpago da água
e os barcos, de substância tão porosa,
afundaram-se, colmeias presas pelos
cabelos ao vento. Dali todos se foram,
porque tornando as águas, cobriram aos carros
e por habitação lhes deram o fundo do mar.
Os peixes resignaram-se aos novos companheiros,
depois, comovidos, entregaram-se a um luto
dorido por aqueles que na água a vida deixaram.

Tudo então transbordou: árvores, ervas,
frutas vindimadas, alguns animais colhidos
na voragem, perfeita voragem, dos dias.
Se um deus tivesse vindo e em suas mãos
trouxesse um ramo de oliveira,
as tardes seriam pela inocência juncadas e na
branca sombra desenhar-se-ia, imóvel,
a estátua que arde no lugar onde as estrelas
desaguam. Como um trevo soprado pela
ganga da primavera, vieram, ao crepúsculo,
víboras em murmúrios de leite e mel,
falcões bêbados de ar e altura, mais tarde,
animais rumorosos, o bosque
na frescura os ocultava. Ali se olharam e, sob
a candeia que a tudo alumia, partiram,
sem que palavra alguma viesse em suas bocas
traçar, para mais tarde, o símbolo da manhã.

Jorge Carreira Maia (2007). Exodus.

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