26/07/08

E assim continuamos

E assim continuamos
como se as rosas não murchassem
nem a pele dos dedos
se tornasse serapilheira
a que o pó cobrisse.
Apenas na janela uma aranha
tece o lugar onde
a vida deposita o incêndio
com que te olho pela manhã.

Se uma mão te deixo entre os cabelos
e a minha voz se alteia ao ver-te
é porque o mundo ainda se abre
sobre as planícies de musgo
ou um Verão de fetos desaba
no horizonte do olhar.

Continuamos a caminhar de mãos dadas
e cabelos soltos ao vento
como se essa fosse uma recordação
da longínqua juventude
que o destino nos roubou entre pétalas feridas
e frutos cariados a tombar da nespereira.

Se os anos sobre ti passam
eu não os conto
nem canto as horas que se esquecem
ou o silêncio que anuncia
a chegada de outra Primavera.
Pego em teus dedos
e guardo-os no cofre obscuro do coração:
às vezes, são sombra,
outras, água vinda do mar,
mas são sempre os teus dedos
que um dia contei
ao ritmo de uma canção.

Jorge Carreira Maia. Breve História do Coração.

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