05/07/08

Exodus - XII

Havia restos de caçadas pelo chão, animais
em despojos assim frios, o sangue a aflorar a pele
contaminada pelo nada, o futuro o trouxera.
Os olhos escondiam-se nas órbitas e pouco
naquelas naturezas mortas lembrava o gesto
febril com que do destino fugiam para a ele
se entregarem. Eram dias de júbilo, na cerca
se viviam. As árvores tapavam de sombra as terras
e o calor, se aquecia, recuava movido
pela inquietação das fatigadas folhas ao vento.

As mulheres, em passos de veludo, levitavam
e as saias, pois saias as vestiam, subiam-lhes à cabeça,
as pernas brancas tão desarmadas, e as mãos acorriam
como se socorressem marinheiros dizimados
por ondas e naufrágios. Não abandoneis a casa,
disseste, pois estrangeiros fostes na terra e agora
o que vos cabe é a espera da noite, o tempo atroz,
as flores precárias que desenharão na pedra sinais
de luz, uma rosa desfolhada, as nuvens que à lua
agasalham, o pano ao pão em cesta de vime esconde.

Foi um tempo de triunfo, a amarga morte
só aos animais coubera e de todos os que na viagem
tomaram lugar, a nenhum a parca foi pelos
deuses, sempre solícitos, arremessada. Quando a tarde
descaiu em direcção às trevas, as vozes entoaram
salmos e cânticos heróicos. Os Imortais
dias de glória haviam tecido, banhados pela espuma
que da folhagem verde das árvores caía.
Carne na carne se fundia e das mulheres
suspiros da boca se desprendiam. Um desbaratado
exército, pela aurora, à vertigem da manhã
se entregou, as armaduras desfeitas, as armas pelo chão
e no sítio das cabeças a vivaz luz da solidão.

Jorge Carreira Maia (2007). Exodus.

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