Exodus - IX
Os cálamos da noite deslizam entre mãos
e os farrapos do tempo são soprados, se o verde
pinta a negrura das colinas. As vozes,
as vozes calaram-se no zumbido das trevas
e as mães, de cansada memória, repetem
histórias de viúvas caídas na desgraça do dia,
do horizonte eram mera sombra oculta,
e nos céus vicejam como máquinas
abertas ao silêncio; fátuo silêncio as alimenta.
Um som sibilado tocou a parturiente
um instante antes da criança chegar:
o esgar da face desvaneceu-se e o horror,
pois horror era, tomou do mundo a rédea.
Cruzava-se gente, ia e vinha, os olhos
rolavam em direcção à terra; nela as pragas
tinham crescido, como se um deus ainda
dos homens o destino, friável destino, soubesse.
Sobre a inconstância do coração nada se desenha:
um rumor de espinhos une à vida a sombra
disforme. Aí o que caminha tem o seu corpo
e com ele cria um espelho de urtigas
e ervas azedas, um vidro tão fosco como
as colinas para além das quais o Sol se põe.
No rosto da cidade, há carros embuçados,
calam-se quando tudo se desvanece
na seca tarde pelos cálamos da noite bebida.
Jorge Carreira Maia (2007). Exodus.
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