Exodus - X
O endurecido coração entrega-se às trevas da manhã
e no rasto sombrio ergue a vara de salgueiro.
Encostado ao bordão de cinza deixa-se flutuar,
como se máquina de aço inoxidável fora.
Árvores cobrem-se de folhas e, num prenúncio
do tempo a vir, juncam de sombra o chão.
Ali os cães gatinham entre leves ganidos em busca
da floresta, da casa que um dia por decidida
morada terão. O Sol, cintilante astro de ruídos
e tumultos, contrai-se e torna-se a cada dia
mais pequeno, perdido o fulgor de forasteiro,
nestas casas por hóspede não se quer.
Severas imagens assim se projectam diante
do olhar, os jardins suspensos por cordas de sisal,
ranúnculos, anémonas, jacintos-de-água e uma
violeta de ferro vinda das terras, negras praias, da monção.
Se pudesse contar-te um conto de fadas, príncipes,
leves princesas, compreenderias a férrea violeta,
nestes jardins à gravidade tão avessos. Acode-me
uma palavra de névoa, mas logo a esqueço
e se me inclino para dizer o teu nome,
suave delíquio atormenta a fronte, dobra-a
em direcção à sombra e recolhe no segredo
as palavras, todas as que tinha para dizer.
Em silêncio olho as falenas. Anunciam os odores
que os pés paralisam e os prendem às janelas
onde o tempo se vê passar, entristecido
de a si se ter perdido no rio que não desagua.
Atravessado bem no centro por tão triste caminhante,
o coração, endurecido coração, envolve-se
na crosta, o sangue ao secar sobre ele a faz cair,
até os olhos se calarem.
Jorge Carreira Maia (2007). Exodus.
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