Exodus - XIII
Ao primeiro dia fareis cessar o fermento em vossas casas.
Não haverá pelas mãos o pão, apenas a rosa do Outono
chegará cansada e nesse cansaço se recolherá,
cantando preces aos deuses do jardim, das fontes
e dos estouvados rios do silêncio. Cessarão os afluentes,
e dos cursos de água matinais ninguém dirá o montante
e o jusante. As canas que desenhavam margens, corta-ventos,
sombra nas tardes, sempre admiráveis, são manchas de betão,
um lastro de cimento onde cães, na pressa que sempre
os empurra, alçam a perna, farejam e abandonam à
punição do vento. Às vezes vinham mulheres, os vestidos
cobertos por remendos de púrpura, os lábios gretados
pela ardósia com que os dias sempre as fustigavam.
Olhavam com o seu olhar perfeito e desmemoriavam-se
lentamente, os cabelos férvidos sob a luz solar.
Ao pegarem no ramo de hissopo e aspergirem
as calçadas de sangue, abriram-se as portas, e das casas
incendiadas saiu extravagante a noite. Os homens
entregaram-se à desordenada facúndia e a sua voz,
febril na imóvel flor dos sentidos, perdeu limpidez
e adormeceu na penumbra maculada da tarde. Calaram-se
as árvores, adormeceram as ervas e nas ruas, ruas
ainda eram, amontoavam-se os restos, os dias os tinham
depositado no desvão da vida. Por essa transparência,
cresciam montanhas de sal, praias de águas estagnadas,
e nas hastes brancas dos animais emergiam desenhos
de negro matiz, riscando traições na quietude do olhar.
Rodeado de insectos, um limoeiro floria; semeava
vestígios de pólen na terra húmida de sangue,
tingida pela sombra sôfrega e estéril de ninguém.
Jorge Carreira Maia (2007). Exodus.
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