As cidades morrem como as gatas
Tive uma gata siamesa durante dezasseis anos. Um dia deitou-se, mais uma vez, no cesto da roupa suja e acomodou-se de maneira a que a cabeça ficasse mais baixa que o resto do corpo. Começou a morrer. Não sei se foi a morte que veio ou a vida que a abandonou. Sei apenas que não morreu toda e inteira imediatamente. Havia partes do corpo que tinham morrido, enquanto outras ainda estavam vivas. Foi uma agonia que durou horas, até que a morte ficou completa e a cabeça deixou de ter sinais de vida.
Já há muito que não andava pela parte antiga da cidade (Torres Novas). Hoje, porém, fui comprar uns livros à Gil Pais e uns cd’s ao Balta, e deixei-me andar por aquilo que foi o centro vivo da vila onde cresci. Ao olhar para os negócios em trespasse, para as casas – umas caídas, outras abandonadas, outras cheias de solidão –, ao ver o ar cansado das pessoas, ao pressentir o desânimo que tomou conta de ruas e paredes, lembrei-me da morte da minha gata. Como ela, também o centro de uma cidade morre aos poucos. Não sei se é a morte que vem ou a vida que parte, mas sente-se um véu fúnebre que vai caindo aqui e ali, até que já nada do antigo esplendor – por pobre e provinciano que fosse – reste. As cidades são seres vivos e morrem como eles. A minha cidade está a morrer como morreu a minha gata: pedaço a pedaço, lentamente, numa agonia silenciosa. Olho-a como olhei a gata moribunda: impotente.
Já há muito que não andava pela parte antiga da cidade (Torres Novas). Hoje, porém, fui comprar uns livros à Gil Pais e uns cd’s ao Balta, e deixei-me andar por aquilo que foi o centro vivo da vila onde cresci. Ao olhar para os negócios em trespasse, para as casas – umas caídas, outras abandonadas, outras cheias de solidão –, ao ver o ar cansado das pessoas, ao pressentir o desânimo que tomou conta de ruas e paredes, lembrei-me da morte da minha gata. Como ela, também o centro de uma cidade morre aos poucos. Não sei se é a morte que vem ou a vida que parte, mas sente-se um véu fúnebre que vai caindo aqui e ali, até que já nada do antigo esplendor – por pobre e provinciano que fosse – reste. As cidades são seres vivos e morrem como eles. A minha cidade está a morrer como morreu a minha gata: pedaço a pedaço, lentamente, numa agonia silenciosa. Olho-a como olhei a gata moribunda: impotente.
1 comentário:
JCM, é curioso como ao ler o seu post, fui assaltado pelas mesmas sensações que experimentei no fim de semana passada. E mesmo se ter tido na minha vida alguma gata siamesa, comentei com quem passeei pela "vila", que havia um sentimento de fim a percorrer as ruas. E sim, vi os mesmos rostos, o mesmo desãnimo.
Muito curioso. Mas perante isto, e isto não é pouco, não me resigno. "E veio-me à memória uma frase batida:"
"Nada é impossível de mudar
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar."-Brecht
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