26/06/08

A infância existencial

Conta Platão, no Timeu 22 b, que Sólon, tendo-se deslocado ao Egipto, foi recebido com grandes honrarias na cidade de Saïs. O motivo da consideração é que Saïs e a cidade de Sólon, Atenas, foram fundadas pela mesma deusa, Neith, na língua egípcia, e Atena, na língua helénica. Havia então uma partilha de origem, o que talvez significasse, dado que o sacerdote egípcio que falava com Sólon situava a fundação de Atenas mil anos antes de Saïs, um elo colonial esquecido pelos gregos.

Sólon, para fazer os sacerdotes a falar sobre a antiguidade, pôs-se a evocar aquilo que de mais antigo era conhecido pelos gregos. É neste momento que um dos padres, já muito idoso, diz: «Sólon, Sólon, vós, os gregos, sois eternas crianças; velho, um grego não o pode ser.» E perante a perplexidade do heleno, continuou: «Jovens, vós o sois todos de alma, pois não tendes nela qualquer opinião transmitida oralmente desde a antiguidade, nem nenhum saber encanecido pelo tempo».

Quando hoje falamos no aniquilamento das tradições, na ausência de conhecimento do passado, na pouca espessura da memória do homem ocidental, julgamos estar perante um fenómeno recente. Ora aquilo que Platão nos diz através das palavras do sacerdote egípcio surge assim como o símbolo de um destino do Ocidente. Não são os gregos antigos apenas que são desmemoriados. A perda da memória do passado é o destino de toda uma civilização que, já naquele tempo, se precipitava em direcção do futuro.

O que distingue aquele instante do actual é que Sólon e as crianças que eram os gregos ainda eram habitados por uma nostalgia que os lembrava dessa ignorância. E o ser criança da acusação do velho padre é sentido fatalmente como uma reprimenda e uma intimação ao crescimento. Os nossos dias, porém, não apenas desconhecem qualquer nostalgia do passado, como a desprezariam se ela se manifestasse. O ser criança dos ocidentais tornou-se a única realidade que lhes é acessível. Cada nova geração ocidental é educada para continuar criança, numa infantilização sem fim à vista. Mesmo se acontecimentos dramáticos, como as guerras mundiais, retiram uma ou duas gerações do infantário existencial, o destino logo se abate sobre nós e a cultura da eterna infância progride ainda mais rapidamente. Foi esse o destino que o velho sacerdote nos destinou naquelas estranhas palavras evocadas ou inventadas por Platão.

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