24/06/08

Exodus - II

Em terra alheia sou peregrino e caminho ébrio
pelo asfalto, as torrentes de ar incendeiam-me o rosto,
as faces lívidas com que entro nesta cidade,
e deixam aberto em mim o martelar furioso
das pedras ígneas do silêncio. Não sei o preço
da viagem, nem tenho nos bolsos moedas,
ouro, prata. Algumas pedras da estrada,
se as penso, tomo na mão e
o peso verga-me o olhar para o alcatrão.

Às vezes, tão poucas, oiço vozes ao longe
e sonho com prados de água seca e fogos frios
de Outono, se transpira de cansaço.
Tão gélido o fogo, o que me trazem para escutar,
cor de cobre, metálico nas labaredas,
na terra entram e se ocultam: fogos de Outono,
a crisálida os habita e longe dos olhares
buscam moradia. Pela calada da noite
o seco véu… do Inverno ele virá.

Do turbilhão dos músculos soltam-se passos infalíveis,
o bater dos pés pelo chão, levam-me terra fora.
Que dizer? Ao vê-los, riem crianças.
A voz cala-se. Se o corpo caminha, ela, rouca, suspende-se,
e só os olhos se agitam no repouso da paisagem,
nova sempre vem, e entra por eles e filtra-se
no cérebro do que caminha, passos errantes,
a gerar riso de moscardo, cinzento,
sem pétalas, gretado como as águas amargas dos que
tiveram memória e dela foram despojados.

Desconheço as faces, o horizonte mas devolve, e não posso
comprar pão e vinho. Há muito deixei de ter mesa
onde os pousar e se regressar agora à casa branca,
um dia disseram-me esta é a tua casa,
as paredes não me reconhecerão e naquela mesa, se mesa
ainda tiver, não haverá para a sombra lugar,
nem guardanapo, nem prato de barro esperará
a ânsia da fome, haveria de a ter.

Resta-me caminhar, passar, as portas fechadas,
cadeados quebrados, janelas corridas.
Às vezes, tomam-me as sombras da tarde e a elas
entrego o nada que me resta, deuses mo deram.
Perdida a ausência que me movia,
ergue-se uma canção pura:
Delata-me à negra noite, aos terrores da infância.
O coração descompassado esvai-se num grito,
e logo o silêncio o arrebata e à planície da mudez o devolve.

Ergo-me sobre as pernas e, preso a meus passos,
retomo a viagem, olhos no horizonte,
um saco de ervas e dois relâmpagos por bagagem.

Jorge Carreira Maia (2007). Exodus.

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