25/06/08

Exodus - III

Tudo arde na brancura da tarde e uma chama acampa
pelas terras áridas. As palavras crescem roídas de saliva,
os dias a fazem aumentar, e a teus pés os rebanhos metálicos
deitam-se vorazes, estradas cospem-nos terra fora.
Os deuses procuram os sombrios bosques onde as tardes
cantam pela manhã e o fogo é agora um astro de sidra
no solo da memória, esfarelado, coberto de erva rala,
pequenas poças de água tépida, restos de ramos,
pássaros de olhos vesgos, cães coçados na sarna
a zumbir entre canaviais e as desventuradas ruas da cidade.

Na ardência, das coisas se apossava, corriam funâmbulos,
e na precipitação – a tudo abandonavam – à sua imagem
de vidro as mãos erguiam. Na sombra ansiosa, espreitavam
entre relógios, horas e dias, um caminho ainda haveria, diziam,
ruas de algas roxas pelos bordos, uma estrada de ruídos,
insectos de cinza, plantas melíferas pelos matagais de fogo,
e uma ardência, a tudo, no inquieto coração, se apegava.

Eu não tenho uma mão forte, nem do ramo da oliveira construo
bordão a que, no clamor da tarde, me encoste. Sigo preso
no horizonte e onde me levam aqueles que me levam eu vou,
sem o caminho saber, eu vou, na ardência da tarde, eu vou,
apenas porque alguém me leva, como se fugisse das lâmpadas
da noite e dos vagos faróis com que em estradas de colmo
automóveis tracejam, ímpios, a santidade da noite.

Levantam-se ali os amantes, os corpos despidos de carne,
e gritam pelo fogo, um dia, tão ao de leve, teria ardido
como restolho na ardência da campina infectada.

Jorge Carreira Maia (2007). Exodus.

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