09/06/08

Manuel António Pina - Até as nossas ruas e praças

Em Lisboa, a Câmara "arrendou" por 150 mil euros uma praça a um negociante de automóveis. Durante 17 longos dias (com a montagem e desmontagem do negócio, a coisa durará um mês), a Praça das Flores será propriedade exclusiva da "Skoda".

Para isso, a praça foi fechada ao trânsito, o estacionamento proibido e o jardim vedado aos peões. Enquanto durar o "arrendamento", os residentes perderão direitos como o livre acesso às suas habitações (e o direito ao sossego, pois o "arrendatário" pode emitir música e anunciar o seu produto em altos berros) e os comerciantes da zona ficarão sem clientes.

Como se sabe, as cidades não pertencem aos cidadãos, mas às câmaras (é assim que algumas autarquias pensam). Por outro lado, a cidadania dá votos de 4 em 4 anos, mas não dá dinheiro, ao passo que privatizar locais bem situados da cidade pode ser muito rentável.

Quando as câmaras pensam mais na mercearia que na cidadania, nem as nossas ruas e praças estão a salvo. Significativo é que o negócio tenha sido subscrito por um vereador (José Sá Fernandes, do BE) que se fez eleger como provedor dos cidadãos. [Jornal de Notícias, 6 de Junho de 2008]

3 comentários:

CR disse...

É o BE no seu melhor. Já era de prever.

maria correia disse...

A CML deve milhões...tudo serve para arrecadar mais qualquer coisa e 150.000 não é mau. Não sou contra a utilização de espaços públicos para este fins, todas as cidades o fazem. O que está mal é que os moradores não tenham sido quase tidos nem achados...e usar um local público para festas privadas, com segurança e tudo e grades à mistura é, no mínimo, de um imenso mau gosto. Resta saber para onde irá esse dinheiro. Enfim...

Alice N. disse...

Pelos vistos, o "arrendamento" de espaços públicos está a tornar-se numa moda ou num modo muito sui generis de gerir a coisa pública... Até em cidades pacatas do interior isso acontece.

Conheço o caso de um jardim público que foi encerrado para uma festa de casamento de uma figura da televisão, pois a menina entendeu que aquele era o local perfeito para montar uma gigantesca tenda e aí mandar servir o repasto. E o negócio fez-se, claro! A menina sonhou, o papá desejou e o dinheirinho fez o resto. Até a polícia foi mobilizada para desviar o trânsito, porque a noiva queria ir tranquilamente a pé da Sé para o seu jardim público-privado. A população contestou? Não senhor! (Só alguns munícipes sem visão estratégica e uns invesojos ousaram questionar...) Consta que a cidade em peso (ou quase) foi ver madame e seus ilustres convidados, em total delírio, empoleirada em tudo o que oferecesse melhor ângulo de visão. Profundamente caricato! Portugal no seu melhor!

Enfim, talvez os autarcas nos digam que é preciso evoluir; que o conceito de "coisa pública" já não é o que era; que o que é público é de todos, sim, mas, em certas alturas, mais de uns do que doutros... Que tudo isso é gestão moderna... Eu sei lá!

Até onde irá a criatividade dos autarcas? Será isso a imaginação ao poder?