30/06/08

Exodus - VII

Abriu-se uma ferida de sangue no sangue das águas
como se dura pedra, a solidez a suporta, as
tivesse tocado e em seu caminho continuasse, incólume,
esquiva, suspensa na tecelagem com que alguém,
nos dias mais negros, a fabricara. Os ventos vieram
e ao tocarem a superfície das águas arvoraram impérios
circulares, pátrias de oclusas fronteiras, a navegação
incerta. Quando neles se entra, passada a raia sempre movente,
respira-se um gás tépido, emanação do furúnculo que,
no centro do centro, corrói cada momento, suspende-o,
torna-o, em precária situação, visível, antes
de o devorar com uma boca de algas e dentes
de sílex, afiados pelas areias das praias, vorazes areias têm.

Se de uma vara erguida na luz do ombro ainda fizeres
um remo, talvez um barco venha solícito em busca
do barqueiro. Não terá proa nem ré, nem sobre as águas
se moverá. Ficará suspenso e, enquanto o remador
olha o horizonte deixando os músculos no ir e vir
de quem no mar se afadiga, ondulará,
atado nas cordas, ao céu o prendem, ligado
por cabos de salitre às escuras nuvens,
o vento as impele, enquanto o remador corre
de casa em casa, procura os filhos há muito abandonados
na paisagem que à crosta da terra de cinza cobre.

Tecedeiras urdem com suas mãos os afilados dedos,
na água logo entram, pois o barqueiro, ferido de sangue,
aí os devora.

Jorge Carreira Maia (2007). Exodus.

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