Avenida ao crepúsculo
Vestiu um casaco e abriu as vidraças; assim o crepúsculo entraria, pensou. Sentou-se a observar o céu, as pessoas a passar, os carros na azáfama com que chamavam a noite. Perscrutava a avenida sempre que o dia declinava, ficava ali a olhar as janelas a iluminarem-se, as árvores a escurecer, o alcatrão a ceder ao peso do dia. De súbito, sentiu a cabeça pender e fechou os olhos. Quanto tempo esteve a dormir nunca o saberá. Acordou quando o velho gato cinzento lhe saltou para o colo. Olhou então o céu e era o mesmo de há pouco, as nuvens brancas mal se tinham deslocado. Os olhos vacilaram ao procurar os grandes plátanos. Estavam lá, mas eram ainda árvores jovens, de tronco delgado. O coração descompassou-se ao pressentir que não havia carros. As casas tinham luzes tão débeis que lembravam velas acesas na noite. Ao olhar para baixo viu uma multidão a caminhar. Longos sobretudos negros cobriam homens de cartola. Mulheres de fato até aos pés, chapéu na cabeça, um véu, por vezes, a dissimular o rosto. Iam apressados e em silêncio. Quando procurou os candeeiros públicos, viu apenas uns pobres lampiões a baloiçar ao vento. Gritou ao sentir o gato a saltar da janela e cair entre aquela estranha multidão. Era agora uma massa ensanguentada sob as rodas dos carros que passavam para se abrigarem do desespero da noite.
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