Um véu de luz
Um eléctrico azul passa na correnteza da rua, o ferro guincha nos carris, uma luz branca ilumina o interior vazio. No jardim contíguo, há árvores de tronco castanho e bancos de ferro forjado. Gostaria de saber por que ninguém se senta neles a descansar ou a namorar ao crepúsculo. O chão é imaculado. Das flores que por ali crescem não falo, só de pensar nelas já o pulso treme e a mão desfalece. Quando o eléctrico se some na embocadura da outra rua, a noite torna-se mais densa. Esfrego a cara no momento em que um arrulhar tonitruante me fere os ouvidos. Num banco, dois pombos maiores do que um homem sentam-se calmamente e, enquanto falam como se arrulhassem, poisam os olhos fixos nas flores de um canteiro. Não falarei delas. Escondido, observo-os: espiam assombrados, arrulham, crescem mais e mais, já mal cabem no banco. Na hora em que o som se tornou insuportável, levantaram voo, um atrás do outro. Ao dissipar-se a brisa trazida pelo bater daquelas asas, a manhã tinha depositado sobre um coração tremente, o meu, um véu de luz.
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