A noite mais escura
As montanhas morriam num lago azul. Aqui e ali, pequenos bosques ocultavam um mundo sombrio de onde vinha um cântico primaveril, talvez dos pássaros trazidos pela aurora ou das mulheres que colhiam para cestas de verga pequenas bagas cor de cinza. Algumas casas abriam-se sobre a pequena enseada, mas no cais não havia barcos. Só, um homem olhava, de cana de pesca esquecida entre mãos, o horizonte. Não tinha cor, não sei mesmo se tinha roupa, pois tudo nele se fundia numa sensação de ausência. Passaram horas, o canto extinguiu-se, o sol declinou. As árvores eram apenas uma deformação na paisagem, de onde todas as cores se iam retirando. No cais continuava esquecido o pescador, a cana na mão, o olhar no poente. Quando se ouviu um barulho de pedra a cair nas águas, o crepúsculo entrou pelos olhos extasiados do pescador. Foi a noite mais escura de que há memória.
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