04/04/07

X - Addio, Mamma

Sempre os fios tecidos de tão delicada forma,
a manhã entreaberta sobre a janela do quarto e a voz,
essa voz, entre o restolho dos afazeres, chama por mim.

Se as portas se abrissem e o horizonte
chegasse, o vento frio a crescer na serra, a
empinar-se contra as paredes da casa, o branco
maculado, deixando entrever mapas de salitre,
regiões, mais ao norte, desgastadas, como se a vida
as tivesse, de forma tão infame, carcomido. Ouvem-se,
passados tantos anos, as folhas da parreira a baloiçar ao
vento, a despenhar-se contra o solo, a ranger fantasmas
na noite, sombrias ameaças contra a precária solidez
da brancura a casa sustenta. Eram as noites de Setembro
as mais ferozes, a impiedade bruxuleando por
toda a aldeia, raparigas exaustas deixaram marcas
pela terra húmida e elas tão húmidas e tão cansadas
tão velhas de tanta infância. O mundo tecia-se
quando falavas, gestos dóceis, a água que sobe
e ameaça transbordar os muros do poço: quando se respira o
orvalho desses dias é musgo o que se respira, ervas
infelizes semeadas nas abertas valetas por onde
as águas pluviais corriam a caminho sabe-se lá de quê.
Não é que houvesse uma vinha, apenas parreiras
sustendo a esplanada que aos domingos tórridos do Verão
fazia descer uma sombra, a luz do Sol cortada,
o astro a fugir na distância que as parras traziam. Os cachos
começavam a formar-se e todos caminhavam por estreitas
sendas de tijolo cravadas no chão, imitando caminhos de
lajes, rememorando antigas tradições, oculta
a poeira que a tudo se pegava. Nos canteiros, talvez nos
teus canteiros, violetas e as roseiras espinhavam
o mundo, eu gritava quando o sangue saía da pele
e sentava-me no chão. O vento amainava o calor do meio-dia
e se tudo era tórrido, ainda o coração se abrigava
das intempéries na luz soturna coada por vidros
cortinados, o ar fresco da manhã que aquecia nas horas
primeiras da tarde. Numa casa obscura, havia uma
talha de azeite, no Inverno coalhava, jornais
velhos se acumulavam, cheios de notícias e de heróis
desportivos e, nessas folhas um pouco poeirentas,
entravam na noite onde todos os esqueceriam.

Os fios tecidos de tão delicada forma estão lassos
e a manhã entreaberta sobre a janela do quarto é noite escura
onde a voz, essa voz, entre o restolho dos afazeres, por mim chama.

[Jorge Carreira Maia, 12 Poemas sob Il Canto Sospeso, de Luigi Nono]

1 comentário:

jlf disse...

Denso. Mas belíssimo...
jlf