02/04/07

Adriano Moreira e a soberania

“Um bom ensino superior é uma missão de soberania, não deve cair no economicismo”, diz o Prof. Adriano Moreira, em Entrevista ao “Público” e à “Rádio Renascença”. Adriano Moreia é uma personalidade que todos deveriam escutar, da esquerda à direita. Toda a entrevista, publicada hoje, merece atenção, mas a questão do ensino superior é tratada com mais desenvolvimento e com a clareza e a distinção habituais. Alguém escutará?

Interessante também, o entusiasmo do velho professor com a reedição das obras da Hanna Arendt.

Mas voltemos à ideia do ensino superior como missão de soberania e o economicismo. O importante é a tensão que subjaz, na frase, entre soberania e economia. Adriano Moreira mostra que o que deve ter uma função estrutural na sociedade não é a economia, mas a política. Na tradição aristotélica, a política tem uma função arquitectónica, isto é, estrutura o espaço onde se desenvolve a vida social e, dentro desta, a economia. Não é por acaso o entusiasmo com Arendt.

A subversão liberal, mas também marxista, cortou com a tradição ocidental. Os resultados são a completa submissão da dimensão política à económica. Tudo é organizado em nome de uma putativa eficácia económica, mesmo que isso destrua a soberania e se torne, dessa forma, um factor de desagregação das comunidades. O conceito chave que permitiu esta subversão é o de «economia-política».

Mas não é apenas, nem talvez principalmente, o ensino superior que tem uma missão de soberania. Os ensinos básico e secundário não podem ser compreendidos apenas como preparação para a universidade ou a vida activa. Eles são, do princípio ao fim, um acto político, e um acto político instituinte, a cada momento, da comunidade nacional. Porquê?

Porque, nas sociedades modernas, onde os conflitos sociais têm como pano de fundo um consenso geral, este é gerado e alimentado na escola. A escola ao ensinar a língua, a literatura, a história, as disciplinas científicas, as humanidades e as artes, está a criar um campo ideológico comum, partilhado por todos os cidadãos. A escola não precisa de fazer “educação cívica”, em disciplina própria para o assunto, basta um currículo geral bem pensado. Na escola, saímos da família e entramos num espaço onde o cidadão é construído.

Contrariamente ao que pensam os liberais mais assanhados, a soberania não reside apenas na segurança interna e na externa, e no poder político e judicial. A escola, desde o ensino básico ao superior, é um importante pilar da soberania, talvez o mais importante, pois é aquele que assegura que a comunidade queira continuar a ser comunidade.

Parece, no entanto, que os tempos não são propícios à soberania. Hoje em dia, troca-se com facilidade a soberania pela eficiência de fabricar chocolates, pilhas, telemóveis ou meias de nylon. É o Zeitgeist a que temos direito.

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