04/04/07

Estar-fora-do-tempo

O estar-fora-do-tempo, disse Austerlitz, que ainda há pouco vigorava tanto nas regiões atrasadas e esquecidas do nosso país como nos continentes por descobrir além-mar, continua a vigorar mesmo numa metrópole temporal, como Londres. Os mortos estão fora do tempo, os moribundos e todos os doentes, em casa ou nos hospitais, e não apenas estes, basta um tanto de infelicidade pessoal para nos separar do passado e do futuro. Na verdade, disse Austerlitz, nunca possuí qualquer relógio, de parede ou despertador, de bolso e muito menos de pulso. Os relógios sempre me deram vontade de rir, coisa basicamente mentirosa, talvez porque sempre resisti ao poder do tempo graças a um impulso interior que eu próprio não entendo muito bem, sempre me fechei à chamada actualidade, na esperança, penso eu hoje, disse Austerlitz, de que o tempo não passe, não seja passado, de poder ir atrás dele, de encontrar à chegada tudo como dantes, ou, me­lhor dizendo, de descobrir que todos os momentos do tempo existiram simultaneamente, caso em que nada do que a história conta seria ver­dade, os acontecimentos não aconteceram, estão à espera de acontecer no momento em que pensarmos neles, embora, naturalmente, a pers­pectiva pouco animadora de eterna infelicidade e interminável dor fi­que assim em aberto. [W. G. Sebald, Austerliz. Teorema]

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