12/04/07

Habilitações e hierarquias

Tal «anarquia» tinha ainda uma origem importante na própria «revolução liberal» por que o país passara. Não havia hierarquias de género tradicionalista na classe política, à volta de gran­des aristocratas, como ainda acontecia na Inglaterra. Como reflectiu João Franco quando suge­riu a abolição do pariato hereditário, em Portugal «é-se geralmente avesso a tudo o que são «privilégios». Como bons liberais, os políticos portugueses só reconheciam o «mérito» individual somo critério diferenciador. Daí a importância que davam às habilitações e desempenhos acadé­micos. Os políticos provinham dos mesmos meios sociais e das mesmas escolas, e viviam todos em Lisboa, frequentando os mesmos lugares, ouvindo histórias e inconfidências uns dos outros. Conheciam-se demasiado bem para reconhecerem facilmente superioridade a um deles. Ressen­tiam o domínio uns dos outros, e tendiam a revoltar-se contra qualquer sinal de ascendência. O «predomínio no governo» de um deles era sempre experimentado pelos outros como tendo «alguma coisa de tirania». Não era por acaso que os chefes de partido designavam os seus part­idários como «amigos políticos», para atenuar qualquer efeito hierárquico. A «amizade» recobria indistintamente relações de igualdade ou de patrocínio, debaixo de um mesmo afecto recíproco e igualitário. [Rui Ramos, D. Carlos] [Fotografia de João Franco]
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Uma nova citação de Rui Ramos, do seu livro sobre D. Carlos. Começa-se a perceber que aquilo que vivemos tem muito pouco de original. O nosso Abril de 74 é analogável à «revolução liberal», veja-se a questão das «hierarquias» e dos «privilégios», nomeadamente a retórica do actual governo acerca dos presuntivos privilégios de certos sectores. Compare-se o culto das habilitações, assunto tão em voga nos dias que correm.

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