Habilitações e hierarquias
Tal «anarquia» tinha ainda uma origem importante na própria «revolução liberal» por que o país passara. Não havia hierarquias de género tradicionalista na classe política, à volta de grandes aristocratas, como ainda acontecia na Inglaterra. Como reflectiu João Franco quando sugeriu a abolição do pariato hereditário, em Portugal «é-se geralmente avesso a tudo o que são «privilégios». Como bons liberais, os políticos portugueses só reconheciam o «mérito» individual somo critério diferenciador. Daí a importância que davam às habilitações e desempenhos académicos. Os políticos provinham dos mesmos meios sociais e das mesmas escolas, e viviam todos em Lisboa, frequentando os mesmos lugares, ouvindo histórias e inconfidências uns dos outros. Conheciam-se demasiado bem para reconhecerem facilmente superioridade a um deles. Ressentiam o domínio uns dos outros, e tendiam a revoltar-se contra qualquer sinal de ascendência. O «predomínio no governo» de um deles era sempre experimentado pelos outros como tendo «alguma coisa de tirania». Não era por acaso que os chefes de partido designavam os seus partidários como «amigos políticos», para atenuar qualquer efeito hierárquico. A «amizade» recobria indistintamente relações de igualdade ou de patrocínio, debaixo de um mesmo afecto recíproco e igualitário. [Rui Ramos, D. Carlos] [Fotografia de João Franco]
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Uma nova citação de Rui Ramos, do seu livro sobre D. Carlos. Começa-se a perceber que aquilo que vivemos tem muito pouco de original. O nosso Abril de 74 é analogável à «revolução liberal», veja-se a questão das «hierarquias» e dos «privilégios», nomeadamente a retórica do actual governo acerca dos presuntivos privilégios de certos sectores. Compare-se o culto das habilitações, assunto tão em voga nos dias que correm.
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