A irrelevância dos governos...

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Elenquem-se os pontos fundamentais: 1. Os processos económicos não dependem dos governos; 2. A crescente irrelevância dos governos, que apenas controlam a segurança; 3. A globalização abre o espaço para o individualismo: a Internet reforça o poder dos cidadãos e das empresas comerciais globais: responsabiliza-os por uma nova ordem social, económica, ecológica e política.
Tem sido a doutrina vigente no mundo ocidental a separação da economia e da política. Mas será esta a realidade global? Por exemplo, a Rússia e a China. Será que aí a economia é absolutamente independente da decisão política? E, através desse controlo e direcção da economia pelos desígnios políticos, não se estarão a preparar para se tornarem, no futuro, as principais potências globais?
A crescente irrelevância dos governos não será ao mesmo tempo a crescente irrelevância dos Estados-Nação? E se um aparelho de Estado se torna irrelevante, como poderá ele, inclusive, manter as prerrogativas para assumir as tarefas de segurança? A lógica não será a de entregar às empresas globais a segurança, isto é, as polícias e os exércitos? Mas isso será viável? Não estaremos a assistir a uma tentativa de assassinato dos Estados para que os «pacíficos» donos das empresas globais possam alargar o seu mercado, inclusive à guerra e à paz e à segurança interna? Mas qual o preço dessa aventura?
É um facto que parece que a Internet reforça o poder dos cidadãos e o das empresas globais. Mas serão coisas comparáveis e equilibráveis? Não contribuirá a Internet para uma crescente atomização até que o indivíduo não seja mais do que um mero ponto dessingularizado? Se se tinha a ideia de que as sociedades modernas eram sociedades de massas onde o indivíduo tendencialmente desaparecia, parece-me que esta leitura da Internet como salvadora da singularidade dos indivíduos esconde a verdadeira realidade. A aparência de fazer parte de uma esfera global não significa que os indivíduos sejam mais do que meros pontos. Provavelmente se eles eram, até ao advento da Internet, pouco mais do que números, hoje serão meros pontos de uma rede composta por pontos. O que caracteriza o ponto é a sua ausência de conteúdo, isto é, de características. A Internet não tem nenhum desígnio emancipador e libertador do indivíduo. Nela, haverá uns que terão voz e muitos outros sem voz. A Internet pode reforçar a natureza alienada dos seres humanos.
Por outro lado, não é equiparável o poder das empresas comerciais globais e o dos indivíduos. Isso, mais tarde ou mais cedo, repercutir-se-á no domínio da rede pelos mais fortes e poderosos. Aliás, já está a acontecer. O que pode mudar, e muda efectivamente, é o que se entende por forte e poderoso.
Desconfio deste alijar do Estado. O Estado é muitas vezes colonizado pelos interesses dominantes. No entanto, o Estado sempre foi a última esperança dos mais desprotegidos, dos mais frágeis, dos mais fracos. Sem Estados, o domínio do mais forte será a única lei. Mas aqui convém voltar a Thomas Hobbes: mesmo os mais fortes, no estado de natureza, estarão inseguros, pois os mais fracos podem coligar-se para os matar.
Olhar irreflectidamente para o que diz Shimon Perez pode-nos nos levar a pensar que estamos a entrar num admirável mundo novo. Interrogar o que se esconde nesse mundo, pode ajudar-nos a descobrir um pesadelo sem fim.
A política é essencial e deve comandar tudo o que diz respeito à comunidade. Isto não quer dizer que deva interferir em tudo, mas que deve regular, segundo os interesses da(s) comunidade(s). O Estado não pode morrer, sem que pereça com ele a própria espécie humana.
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