23/04/07

La France, bien sûr...

Tornou-se um hábito da intelligentsia indígena dizer mal dos franceses. Não há cronista que não incense o mundo anglo-saxónico e não demonstre a pura fatuidade dos franceses, o ridículo das suas pretensões, a sua idiossincrasia chauvinista, o carácter totalitário que se esconde por detrás da democracia francesa, como se a Revolução de 1789 apenas tivesse produzido o Terror e nada mais de que o Terror.

Chegam a sugerir, de forma disfarçada, uma curiosa leitura histórica. Por um lado, a Revolução francesa com o seu cortejo de misérias, apóstolos sanguinários, revolucionários bestiais e ânsias ditatoriais. Por outro, as sociedades inglesa e americana, democracias puras onde nunca, mas por nunca ser, teria havido terror, nem revolta, nem revoluções. Tudo teria sido a criação de seres racionais que, ao tomar chá, trocaram umas ideias, muito civilizadamente, sobre a filosofia política de John Locke e decidiram contratualizar, logo ali, uma sociedade política, sem contaminação, que defenderia as liberdades e a propriedade. Por muito que a história mostre o contrário, os anglófilos, presos na fé que os sustenta, juram a pé juntos que os sistemas políticos anglo-saxónicos não são mais do que acordos de cavalheiros, uma emanação da gentlemanship, tão do agrado do Prof. Espada. É evidente que nada disto tem qualquer realidade histórica.

Toda essa gente deve estar muito decepcionada com o resultado das eleições francesas. Não tanto por M. Sarkozy e Mme. Royal irem disputar a segunda volta, mas pelo facto desse povo tão pouco democrático ter decidido ir às urnas em tal número que a percentagem daria para eleger dois presidentes americanos. Também não compreenderão, por certo, o que terá motivado os eleitores franceses a meter os extremos políticos na ordem. Seja como for, há uma coisa que me agrada, mesmo que eu não seja dado a filias, sejam francófonas ou anglófonas: é bom ter os franceses de volta preocupados com a sua situação política. É bom que alguém venha dizer que é preciso voltar a acreditar que os filhos poderão e deverão viver melhor do que os pais. Isto é desagradável para muitos anglófilos: por norma, estão apostados em justificar, muitas vezes com um estranho prazer, a proletarização das classes médias europeias. Talvez as eleições francesas nada tragam de novo, talvez… Mas que elas podem representar um momento de esperança, mesmo que seja apenas um momento, para o ideal de um Europa civilizada, isso é inegável. Vive la France!

Sem comentários: