Utopia Cinética
O projecto da Modernidade funda-se, por conseguinte, — o que ainda nunca foi claramente enunciado — numa utopia cinética: todo o movimento do mundo deve passar a ser realização do plano que nós temos dele. Os nossos próprios movimentos vitais passam a ser, progressivamente, idênticos ao próprio movimento do mundo; o processo mundial, no seu todo, coincide progressivamente com a nossa manifestação de vida; as coisas acontecem conforme se pensa, porque aquilo que acontece cada vez mais se realiza por nós o fazermos. Seria demasiado pouco dizermos que a Modernidade prometeu ser ela própria, doravante, a fazer a história humana. No seu núcleo ardente, ela não quer apenas fazer história, mas também Natureza. Enquanto este século duro se aproxima do seu fim, vai-se espalhando a noção de que a história a fazer era um pretexto. O tema decisivo dos tempos modernos é a Natureza que há a fazer.
[Peter Sloterdijk, A Mobilização Infinita. Para uma Crítica da Cinética Política]
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1. É dentro desta utopia cinética que deveremos compreender a retórica política dominante. Constantemente somos confrontados com um movimento que pretende mobilizar-nos para uma contínua reconstrução das instituições, funções, atitudes e até dos próprios gestos. Veja-se o que se passa nas instituições e nas empresas. A necessidade de inovação não é mais do que a narrativa legitimadora da mobilização infinita do homem até à reconstrução da sua natureza, ao homem novo, até que se possa dizer: Ecce Homo!
2. Observe-se, também aqui, como marxismo e liberalismo, socialismo e capitalismo se apresentam como as duas faces da mesma moeda. No marxismo, é a necessidade que empurra a mobilização militante até ao paroxismo; no liberalismo, é a liberdade que se realiza como movimento contínuo de diluição no futuro.
3. No mundo marxiano, o movimento, ao fundar-se na necessidade, tornou-se mais rígido e duro. A mobilização militante conduziu directamente à sobreposição da dimensão militar.
4. No mundo liberal, o movimento, ao fundar-se na liberdade, torna-se mais plástico e mais maleável, mas também mais dissolvente das instituições e modos de vida. Para não perecer imediatamente, necessita do contínuo apelo à inovação. A produção do novo está para o mundo liberal como a mobilização militar estava para as sociedades marxistas: o véu que cobre o puro vazio. [JCM]
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1. É dentro desta utopia cinética que deveremos compreender a retórica política dominante. Constantemente somos confrontados com um movimento que pretende mobilizar-nos para uma contínua reconstrução das instituições, funções, atitudes e até dos próprios gestos. Veja-se o que se passa nas instituições e nas empresas. A necessidade de inovação não é mais do que a narrativa legitimadora da mobilização infinita do homem até à reconstrução da sua natureza, ao homem novo, até que se possa dizer: Ecce Homo!
2. Observe-se, também aqui, como marxismo e liberalismo, socialismo e capitalismo se apresentam como as duas faces da mesma moeda. No marxismo, é a necessidade que empurra a mobilização militante até ao paroxismo; no liberalismo, é a liberdade que se realiza como movimento contínuo de diluição no futuro.
3. No mundo marxiano, o movimento, ao fundar-se na necessidade, tornou-se mais rígido e duro. A mobilização militante conduziu directamente à sobreposição da dimensão militar.
4. No mundo liberal, o movimento, ao fundar-se na liberdade, torna-se mais plástico e mais maleável, mas também mais dissolvente das instituições e modos de vida. Para não perecer imediatamente, necessita do contínuo apelo à inovação. A produção do novo está para o mundo liberal como a mobilização militar estava para as sociedades marxistas: o véu que cobre o puro vazio. [JCM]
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