03/04/07

IX - Coro e orchestra "Com'è durro dire addio per sempre"

Como se tudo estivesse fragmentado, os estilhaços
da vida a correr, sangue infunde-se no olhar,
o raiado azul na córnea. Esboça-se o horizonte, o lugar
onde inevitável acontecerá. Uma estrela risca de
súbito o céu, e todos os reis magos se põem a caminho.
Vêm tão lentamente, pé ante pé, os olhos nunca do
céu apartados. Contam as estrelas, projectam constelações,
fazem os planetas, a seus olhos, fulgurar.

Não te apartes de mim! Depois ergueu-se e caminhou.
As horas no deserto, de areia; as pedras no deserto, de areia;
as nuvens no céu deserto, de areia; a água no deserto, de areia;
as mulheres no deserto, de areia. Entre cactos e areia
há um esquisso de uma estrada. À noite, o vento uiva e
ela, no rascunho onde se esboça, entreabre-se como
uma mulher na ânsia sonâmbula da
maternidade. Não te apartes de mim! O deserto, tão longe.

Na distância, ecoam, como sinos tingidos de negro, os relógios.
Assinalam os séculos, uma badalada hoje, outra a cem anos,
outra a duzentos. Soam de areia os relógios,
as horas tão lentas, a morte rápida. No deserto,
só as horas uivam, o vento, há muito, encontrou
no silêncio a sabedoria que falta. Quando aqui chegam
os reis magos esquecem de cansaço a estrela que os guia.
No deserto, os astros como a noite, de areia.

[Jorge Carreira Maia, 12 Poemas sob Il Canto Sospeso, de Luigi Nono]

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