16/04/07

O lado obscuro da liberdade

A chacina na Universidade de Virgínia Tech mostra-nos o lado mais obscuro dos EUA. Este caso, apesar de ser o mais brutal, é apenas um entre muitos outros. É como se existisse, dentro sociedade americana, uma pulsão ao mesmo tempo homicida e suicida. Um caso destes pode ocorrer em qualquer lugar do mundo, múltiplos casos tornam o problema uma espécie de epidemia social, mas não só. Tornam-se uma especificidade.

Se há sociedade onde o culto da liberdade é extraordinariamente forte é a americana. Não é por acaso que um dos seus símbolos é a estátua da liberdade. No entanto, este amor desmedido pela liberdade oculta a própria essência da liberdade. A abertura dos possíveis parece ter como contrapartida um fundo de sufocação social, mas também ontológica, que acaba por gerar este tipo de fenómenos. Thanatos, a pulsão da morte, inscreve-se assim na vida das comunidades, tomando múltiplos aspectos e formatos: o culto das armas, a disseminação da pena de morte, a violência urbana, uma política externa violentamente evangelizadora e, também, estes casos que se sucedem em universidades e escolas.

Ler este tipo de acontecimentos como um fenómeno de uma sociedade ultracapitalista é perder o essencial. O ultracapitalismo, a tendência evangelizadora da política externa e a violência social são inscrições de algo muitos mais profundo e que se esconde por detrás da liberdade, ou melhor, que faz parte da própria liberdade. Esse «algo» resiste ao próprio pensamento. Não é por acaso que Kant coloca a liberdade da vontade no domínio do incognoscível. É aí, naquilo que há de mais obscuro, de mais perigoso e de mais mortal, que se instala o que merece ser pensado.

Pensar é inscrever conceitos num território, como se eles fossem divisórias que na sua articulação constroem uma estrutura de sentido. A dificuldade, porém, reside na identificação do território que permita a inscrição e a articulação conceptuais. Pressente-se, em todos estes fenómenos, algo que sendo mudo nos fala, mas que nós não conseguimos, ao escutar, compreender. A liberdade ergue-se como uma parede de cristal: a sua máxima transparência funciona como ocultação suprema.

Talvez o primeiro passo seja o de perceber a existência desse território ignoto, impensado e, até hoje, impensável: o lado obscuro e abscôndito da liberdade, aquele que se oculta à luz da própria razão.

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