Talvez Raul Brandão tenha razão e o Baleal seja a mais bela praia portuguesa, talvez… Gosto do Baleal, não tanto no Verão, quem é que consegue gostar de uma praia no Verão?, mas quando há menos pessoas e se pode passear pelas areias sem compartilhar o espaço com demasiada gente. Sentir o mar, olhar as cores que tingem as águas, suportar o sopro do vento norte. Antigamente, parece que havia uma clara divisão classista entre frequentadores do Baleal norte e do Baleal sul. Talve
z ainda seja assim, mas isso é lá mais para o tempo de férias. Agora, as praias pertencem às gentes do surf e àqueles que, como eu, escolhem o tempo frio para olhar o mar, pisar a areia, e deixar-se envolver pelos cheiros marinhos, pelo fragor das ondas sobre as rochas, pela luz que reverbera nas águas.
Quem não gostar de areia, pode dar uma volta pela ilha, melhor pela península. Apesar da colonização humana, apesar das casas e dos carros, o espaço ainda é visitável e permite contemplar, de múltiplos lugares, o mar, ouvir, uma vezes, o cicio, o sussurro das ondas e, outras, o bater trovejante da água na pedra dura e imóvel. Pode olhar as Berlengas, ao longe, fechar os olhos e sonhar com viagens marítimas, aventuras coloniais e terras ultramarinas. Depois, sonhe-se com baleias e grandes caçadas. Sentado numa esplanada, não se iluda se vir, ao longe, uma massa branca em movimento. Não, não é Moby Dick, a baleia branca, nem atrás virá o terrível capitão Ahab. São apenas nuvens, pedaços de mar a fugir das águas e a perderem-se na pureza azul do céu. Há dias que é possível ver, de relance, Posídon, o terrível sacudidor, deus indisposto e feroz que persegue os heróis. Mas, num tempo como o nosso, quem se preocupa com isso? Nem heróis há para terem tal preocupação, nem acreditamos nos deuses que estão perante o nosso olhar.
O sol está alto e chegou a hora de almoço. Sim, Peniche, ali mesmo ao lado, tem variegadas possibilidades. Mas tome o IP 6 e corte logo, nos primeiros metros, para a estrada que leva à Consolação. Quando chegar ao cruzamento para esta praia, siga em frente em direcção a S. Bernardino. Entrando no Lugar da Estrada, uma daquelas aldeias que cresceram ladeando uma estrada em linha recta, espere até encontrar, à sua direita, um restaurante com o estranho nome Faz as Pazes.
Que conflitos e guerras terão levado a tão estranho nome, não faço ideia. Seja como for, encha-se de um espírito pacífico e entre. A sala não é pretensiosa nem grande, mas acolhedora. Sob o trabalho de um casal, ele na cozinha e ela na sala, vai encontrar uma bela refeição, uma cozinha esmerada, onde se combina o tradicional com a singularidade de quem a produz, tudo num ambiente discreto e cheio de simpatia. Para entrada, o refogado de mexilhões ou o queijo de cabra salteado com azeite e alho. Experimentou-se a «raia cozida com molho de pitau», um molho da tradição local, feito à base de azeite, alho, vinagre e colorau. O molho dá vida à raia, ao mesmo tempo que lhe sublinha as qualidades, joga como uma espécie de contraponto dialéctico à brancura fistulada do peixe. Como será de imaginar, pela localização, há vários pratos de peixe. Depois, na carne, não perder o «miminho de boi com pimentas», onde um naco de excelente carne açoriana grelhada se combina com uma multiplicidade de pimentas, acompanhadas por batatas fritas às rodelas
finas e uma salada, bem temperada. As pimentas não disfarçam a carne, têm, antes, o poder de ressaltar a sua qualidade. Entre as sobremesas, pode perder-se na «pêra em vinho tinto e frutos silvestres» ou, então, num «sorvete de maçã reineta com esses de Peniche». A carta de vinhos é sóbria, mas permite, já que estamos perto do mar, múltiplas navegações. Vários prémios e reconhecimento do Expresso, valha isso o que valer, atestam a qualidade do trabalho desenvolvido e recomendam a experiência. Experiência de que não se sai, pelo menos não saí das vezes que experimentei, arrependido. Para antecipação do prazer pode consultar o site
http://www.faz-as-pazes.com/