VI - "Meine lieben Eltern!" etc.
Quando um dia as cartas selaste um dia
e tu eras um tu sem nome nem palavra
e na língua que o acaso me fez ser sendo a minha
disse: tu nesses textos esparzidos de dor, tu ainda
cantas. Meine lieben Eltern e só estes vocábulos
chegam para comover a sombra do coração.
Não são palavras e Eltern nunca existiu. É o céu,
fala nos campos cavados pelos sulcos, regos abertos
no arado… Os sons cerzirão as areias, o cinzento
das praias, pelos barcos em fuga do cais os montes abertos.
Homens e mulheres escrevem cartas e hoje eu as oiço
digo tu, tu és música, eu a oiço, a orquestra a nascer, eu a oiço,
o dia riscado pelos seixos com que os sexos ferozes ainda podem falar.
Schwester und Bruder, Bruder und Schwester,
não suporto estas palavras, eu não as oiço,
mesmo que as digas até ao fim dos meus dias, eu não as oiço,
dos teus dias, eu não as oiço, de todos
os dias em que o Sol ainda se porá:
Schwester und Bruder, Bruder und Schwester, eu não as oiço,
se ao menos dissessem Meine lieben Eltern
talvez tudo fosse suportável. Os carros seguiriam
e os vossos filhos seriam vossos filhos e eu não saberia
alguém, escrevendo no cascalho, e eu não saberia,
diria Meine lieben Eltern.
Bem-aventurados quando os mortais cantam os deuses.
Por isso, Meine lieben Eltern, nos enviam a guerra e
soletram-nos como num segredo: Schwester und Bruder.
Não sei se os ouves, não sei se os oiço, não sei se os oiça.
[Jorge Carreira Maia, 12 Poemas sob Il Canto Sospeso, de Luigi Nono]
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