14/03/07

Em louvor da vida contemplativa

John Gray foi professor em Oxford e na London School of Economics. De formação em Filosofia, dedica-se, hoje em dia, a uma espécie de hermenêutica negativa, centrada no desmascaramento das ilusões que nos atravessam. Deu uma entrevista ao Público de Domingo passado. Dessa entrevista, são retirados alguns excertos para actividade meditacional... Sem comentários. Os títulos, a bold, são nossos.
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As ilusões

O que tento lembrar às pessoas é o lado negro dos seus sonhos ou, se quiser, as suas ilusões. O perigo de destruir as ilusões humanas é levar ao desespero. O perigo de encorajar as ilusões humanas é que produz arrogância. No século XX e agora, no XXI, o maior perigo, do ponto de vista político e intelectual, é esse mesmo – a arrogância.

A arrogância neoliberal

A arrogância ocidental traduziu-se numa ideologia neoliberal que se transformou numa espécie de marxismo ao contrário, com uma interpretação muito estreita da experiência humana, com alguma indiferença pelos sacrificados do progresso mesmo que numa escala muito menor.

Contemplação e não acção I

Tento recuperar a ideia de que uma vida humana pode ter significado sem ter necessidade de mudar o mundo ou as coisas. É o valor da contemplação, que foi muito importante em muitas civilizações até há 200 anos. Hoje, vivemos com a ideia de que, a não ser que mudemos o mundo, que melhoremos o mundo, falhamos. A maioria das pessoas não melhora coisa nenhuma.

Contemplação e não acção II

Os gregos antigos valorizavam a contemplação como a mais importante actividade humana. Os indianos, os chineses, alguns cristãos reconheceram que a vida humana pode ter significado e ter valor sem ter de mudar coisa nenhuma.

O liberalismo marxista

Aliás, muitos economistas liberais modernos são marxistas inconscientes. Acreditam que o desenvolvimento do capitalismo produz inevitavelmente uma civilização burguesa. Historicamente falando, não há assim tanta evidência. Na Europa, por exemplo, o capitalismo produziu uma grande variedade de regimes.

A lógica da globalização

A globalização deixou de ser um projecto predominantemente americano ou ocidental. Agora é um projecto chinês, indiano, etc. E isto era inevitável. Porque o que a globalização faz é espalhar a tecnologia e a industrialização através do mundo. Por isso, a lógica interna da globalização é minar o poder americano.

A ilusão do progresso I

O problema é esse, tentar perceber que ilusões ou mitos são os mais prejudiciais. O exemplo crucial é a crença no progresso. Provavelmente, a campanha contra a tortura que Voltaire e Montesquieu levaram a cabo dependia da ideia de progresso. Só que essa ideia tornou-se perigosa a partir do momento em que passou a alimentar a convicção de que a humanidade está sempre a subir degraus e não pode cair pela escada abaixo.
A ilusão do progresso II

Há um progresso científico cumulativo e que é difícil perder. Isso aceito. Não creio que a ética e a política possam ser cumulativas no mesmo sentido. Sabemos o suficiente da história da humanidade para saber que o que ganhamos pode ser perdido. Veja a tortura. Num abrir e fechar de olhos, começou a tornar-se outra vez legítima. Nos EUA está a ser redefinido o conceito…

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A entrevista foi dada pela ocasião de publicação, em Portugal, do seu novo livro Sobre Humanos e Outros Animais.

O livro mais conhecido, também já publicado em Portugal, é Falso Amanhecer.

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