31/03/07

V - Orchestra

O som circular a cada hora retorna
os traços inquietos suspensos das mãos, as algibeiras
vazias. Recomeço! Subo as escadas se dedilhasse
num instrumento sem nome as notas. Não tem nome
aquilo a que damos nome, a conjugação de pequenos indícios
uma saliência presa ao maxilar. De que falas, se falas?

Por detrás de tudo ainda vultos brancos
a cadeira, ali te sentavas nos dias de Outono. Chegavas e dizias
vou sentar-me na cadeira. A saia subia ligeiramente e as nuvens,
como todas as nuvens de Outono, escureciam. Lá
fora a algaraviada de pássaros restolhava no sobejo
das árvores, as estações as tinham para nós despido.

Porque de amor não fazes poemas? Perguntaste um dia.
Só a música oiço. Não há vozes, nem céus azuis, nem praças
oblíquas onde te possa cantar. Olhavas-me como se a sarça-ardente
fosse e exclamavas aqui não moram os deuses. Rias
entre gritos, tormentos eram, gritos vindo de lado nenhum
as notas se elevavam, o roçagar das asas no vento da manhã.

Um barulho de comboios ouve-se no afastamento dos carris.

[Jorge Carreira Maia, 12 Poemas sob Il Canto Sospeso, de Luigi Nono]

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