26/03/07

I - “Sofia, Zentralgefängnis 22. Juli 1942 etc.”

Apenas em língua tão estranha ressoam lamentosas
as palavras. São cartas; oiço e entendo
no não entender que o germânico feroz acento consigo
traz. Aqui e ali pressinto a palavra liebe
mas não é vocábulo o que oiço quando oiço
o sopro da voz, rumorejo vocálico com que
um sentido se dá de um filho para uma mãe,
talvez a carta última, uma filha de um pai
já breve se despede. Sófia, lugar obscuro para se
aprender a morrer, quando o de todos morrer é o fado:

Ó folhas de Outono no Verão feridas pelo negrume do amarelo.

Sófia a cidade em que alguém o rosto nunca vi
nunca saberei, para além da luz funesta, a música
das palavras um corpo de sílabas desenha. Sófia a cidade
em que alguém um dia teve um rosto
e o suprimiu a flectida mão dos homens ao contacto
improvável do ar os meus olhos atravessam.

Duvidosa a data, todas as datas, um dia
um filho, na certeza caligráfica, a uma mãe a morte
improvável vaticina. Nas areias da praia mais fria,
inscreve-se o solfejo de um destino precário…
Duras as palavras assim ditas, o peso forjado
nas frias entranhas de um idioma avaro como as terras
selvagens do norte, as florestas de sons à penumbra
acintosa do sentido o meu sentir mediterrânico
não traz do caos sonoro. Há palavras, eu sei
e pontuam a respiração daquele que lê
e na emoção do ler se tornam aos ouvidos
acesos dos que na noite escutam música.

Ó folhas de Outono no Verão feridas pelo negrume do amarelo.

Ó palavras benditas, Krieg, Mutter, Verstand, Bruder, Freiheit, Papa,
Vaterland, Schwester¸ ó palavras tudo para mim nada significam,
ó palavras azuis, a música em teus lábios eu ouvir recuso, ó
palavras eu já não escuto e assim uma música desce do
interior da terra até às raízes brancas dos meus cabelos,
ó palavras dadivosas, montanhas erguidas em teus olhos
na sombra, o sombrio canto da morte suspendem.

Ó palavras, palavras onde todos os sons são o prenúncio
de uma cadência clara inclinada na tarde que se extingue…

Ó folhas de Outono no Verão feridas pelo negrume do amarelo.

[Jorge Carreira Maia, 12 Poemas sob Il Canto Sospeso, de Luigi Nono]

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