27/03/07

II - Orchestra

Pudesse circundar o ar e nele a névoa inflexível
fazer subir, como num tempo ainda antigo as mães
o faziam às flores dos jardins as mais fugazes. Ensinavam
de tão esquiva forma o mundo: às filhas, das rosas o sangue,
as veias inquebráveis dos lírios, interditas algumas azáleas;
aos filhos, apenas o silêncio, a cor da noite por incerto
desdém a sua vida precedia. Cantavam, como só uma mãe canta.

Onde agora se vêem muros, havia ar e ervas e pássaros.
Esquivo, tudo tudo, e os olhos pela manhã entardeciam
desenhavam-se, como sempre nos olhos se desenha, gritos,
jogos de água rasos, pedras enceradas pelo suor de tanto
no chão escavar o homem. Gritas? Ela compunha as estações,
escrevia os nomes em pedras e atirava tudo pelo ar:
O mundo começa no Outono, sussurrava e líquido era o tempo.

Massas de ar emergem fundas do fundo da orquestra.
Tempestades, o ar projecta-se terrível como se fora um
pretérito imperfeito, os cavalos abrasam junto ao pórtico
e presos nos uniformes desfilam os soldados. Não há raparigas
nas janelas, os gatos ensombram o fragor dos pés
que se colam à rudeza do asfalto por instantes. Ninguém grita!
Só os soldados marcham felizes, o esquecimento os espera.

Relâmpagos injuriam a luz do dia: quando à luz luz acrescentas
a noite cresce. Se apenas a música te incendiasse e deixasses
à porta de casa o saber que a tua mãe em ti semeou, poderíamos
olhar o horizonte e escrever cartas longas para terras desconhecidas.
Todos as leriam e não saberiam se a tua mão era um mar silvestre
ou a sombra simples, um deus da guerra amante a desenhara.
Nos jardins não há mães, nem nas ruas soldados, nem em teus olhos água…

[Jorge Carreira Maia, 12 Poemas sob Il Canto Sospeso, de Luigi Nono]

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