29/03/07

IV - Mi portano a Kessariani per l'esecuzione

Tudo se entrelaça, as pedras roladas pelas mãos
os moios de trigo, a memória deixa entrever no lusco-fusco
aí a vida reverbera. Oiço a música, as vozes aconchegam-me
no desconforto os instrumentos o semeiam. A casa está branca
e eu repito exausto as palavras: Mi portano a Kessariani
per l’esecuzione. Ó se tudo terminasse, se a voz tombasse
quando diz: Mi portano a Kessariani. Seria assim tão diferente?

Per l’esecuzione, per l’esecuzione, per l’esecuzione, per l’esecuzione,
repito, como nos jogos infantis, até o mundo sucumbir
no sem sentido que o som, pela intérmina repetição, faz crescer.
Nunca as pedras rolaram nos jardins de Kessariani,
nem os corpos, nem a lua rodou sob a luz violeta de um Sol
oculto pelas planícies de Verão. Não irei a Kessariani.
Lá não haverá lugar para as minhas metáforas, para a minha morte.

Só onde o cipreste o puder acolher dado foi construir ao homem
a morada. Tudo se enreda na memória, os moios de trigo,
os carros de bois da infância, a água salitrada pelo cansaço.
Seria assim tão diferente? Não, nada sei de Kessariani,
oiço a luz instrumental, a reverberação das vozes.
Gritaram os que foram a Kessariani? Alguém gritou:
Sou uma metáfora morta e sucumbiu à luz da tarde.

Se destruísse os sons que oiço, se cada nota
uma outra desligasse, se as vozes fossem apenas
fiapos deixados ao vento, esventrados pela incúria dos camponeses,
Kessariani nunca teria existido, nem o seu odor,
ou a luz empalhada pelas tardes, não o som dos gritos
infantis na rua. Kessariani não é um lugar,
apenas uma voz entoa, o acorde se desfaz, a noite.

Pai, quero agora ajustar as contas com o mundo,
escrever das paisagens o que me levaste a ver, as horas
em que os comboios iam e vinham. Sempre chorei,
as lágrimas secas, as metáforas mortas, a vida pesada
como o grito das vozes que cantam, que cantam, que cantam,
enquanto durmo e no silêncio os gritos chamam de Kessariani
por mim. Os moios de trigo rolam pela estrada de Kessariani e eu…

[Jorge Carreira Maia, 12 Poemas sob Il Canto Sospeso, de Luigi Nono]

1 comentário:

jlf disse...

Que poema!

É dos que suspendem a respiração!

Força, torrejano vate!

jl