Perplexidades perante o Cristianismo
O post de ontem com o texto de Cioran (cf. mais abaixo) está ligado a uma de duas perplexidades que há muito o cristianismo, nomeadamente o católico, fez nascer em mim.
A primeira perplexidade: o nível rasteiro, pimba e piroso da arte (arquitectura, música, escultura e pintura) que serve a vida da Igreja. A Liturgia é de uma pobreza franciscana. Toda a vida religiosa (há excepções, claro) está envolvida em elementos estéticos absurdos. Como é que uma religião que deu origem à catedral gótica, à grande pintura da renascença e posterior, à música de Tomás de Luís de Victoria e de Giovanni Pierlugi da Palestrina, chegou a um tão grande grau de decadência. Perante tal tipo de mau gosto, não admira que Deus se tenha retirado para longe…
A segunda perplexidade, a que se prende com o texto de Cioran: o carácter pouco viril do Cristianismo tal como me foi dado a conhecer. É preciso, porém, ter algum cuidado. Foi este mesmo Cristianismo que se casou com o Império Romano, que ordenou o mundo medieval e que sustentou as Cruzadas. Mas se compararmos Cristianismo e Islão, nota-se claramente uma diferença: o Cristianismo é essencialmente uma religião de mulheres, apesar destas estarem excluídas do acesso à ordenação sacerdotal, enquanto o Islão é uma religião de homens. O discurso sacerdotal é, no Cristianismo, fundamentalmente afectivo. No Islão, o discurso é racional, muitas vezes, de uma racionalidade política. A Igreja Católica acabou por se tornar num lugar de exclusão dos homens, isto é, do elemento varonil e racional.
Mais do que a cultura profana, foi a própria cultura da Igreja que abriu caminho para a decadência da religião no Ocidente, ao tornar-se um espaço de mau gosto estético e de vivência religiosa emasculada. O triunfo do sentimento conduziu, muitas vezes, ao sentimentalismo mais atroz e repugnante. O sagrado, para além do bom gosto, também precisa de homens, daqueles que, como diz Cioran, levantam os punhos para os céus…
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A beleza da música da contra-reforma. Ouvir In Paradisum, pelo The Hilliard Ensemble, a partir de música de Victoria e de Palestrina, mostra-nos que nem sempre a grande qualidade estética esteve separada do catolicismo.
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