23/10/09

Italo Calvino - Os clássicos e a actualidade



O ideal talvez seja sentir o rumor que entra pela janela, que nos avisa dos engarrafamentos do trânsito e dos saltos meteorológicos, enquanto acompanhamos o discurso dos clássicos que soa clara e articulado no nosso gabinete. Mas também já é muito se para a maioria a presença dos clássicos se sentir como um ribombar longínquo fora do gabinete invadido pela actualidade como se fosse uma televisão a todo o volume. Acrescentemos portanto:

14. É clássico o que tiver tendência para relegar a actualidade para a categoria de ruído de fundo, mas ao mesmo tempo não puder passar sem esse ruído.

15. É clássico o que persistir como ruído de fundo mesmo onde dominar a actualidade mais incompatível. [Italo Calvino (2009). Porquê Ler os Clássicos? Lisboa: Teorema, pp. 12]

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Eu diria ainda outra coisa. É clássico aquilo que nos permite ler o ruído da actualidade como ruído e como actualidade, que nos permite perceber que a cacofonia não é mais do que isso, que deixa ver o instante que impera no actual contra a sombra de eternidade que se desprende dos clássicos. Mas os clássicos ainda permitem outra coisa. Permitem vislumbrar aquelas obras que, sendo fruto da actualidade, trazem uma marca genética que as liga aos clássicos, e que assim têm todas as condições de filiação para se tornarem também eles parte da família, mesmo que aparentemente sejam filhos rebeldes. Tornar-se-ão filhos pródigos.

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