Conflito das interpretações
No Portugal dos Pequeninos, João Gonçalves escreve isto: Quando se candidatou, Cavaco disse que, perante a mesma informação, era perfeitamente natural que duas pessoas diferentes pudessem convergir. A informação era - é - o país, a sua situação, à luz do que está a acontecer, o seu empobrecimento diário. Este é o grande problema. Cavaco ao dizer o que disse estava a desvirtuar a realidade, e muito provavelmente sabia-o. Perante a mesma informação o que existe é uma diversidade de leituras. É esta a essência da democracia. O que Cavaco fez, ao dizer o que disse na altura, foi uma tentativa de condicionar o adversário, Sócrates. Só há uma informação, essa informação só tem uma leitura, o leitor por excelência sou eu, Cavaco, o outro, Sócrates, se quiser ler bem, terá de ler como eu. Foi assim que Cavaco, ao longo da sua carreira política, foi afastando adversários do caminho. Mas isto é, ao mesmo tempo, uma falsificação da realidade e uma boa jogada política. Serviu-se da sua autoridade para limitar o poder de Sócrates. Este, enquanto não se pôde libertar do abraço, foi dizendo que sim, até dar o grito do Ipiranga. Aqui não há heróis nem vilões. Cada um joga com as armas que tem. O que acho reprovável é a estratégia de tentar fazer passar alguns pelos maus da fita absolutos, enquanto se incensa outros, como se fossem a encarnação do Senhor. Lamentavelmente, não são. Perante a mesma informação, o natural é não haver convergência, mas conflito de interpretações. A hermenêutica explica isso, e não serve apenas para exegese biblíca ou para a leitura dos filósofos.
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