21/10/09

O que se esconde no desemprego



O Público anuncia que a Delphi da Guarda vai despedir 500 trabalhadores (ver também aqui). Há no ficar sem trabalho qualquer coisa muito obscura. Não me estou a referir aqui à hipotética malevolência das classes exploradoras do trabalho de outrem, nem àqueles que deliberadamente querem ficar sem trabalho. Falo antes de uma experiência ontológica radical que se dá nesse acontecimento. É essa experiência que dinamiza as múltiplas atitudes políticas que são geradas em torno do desemprego. De certa maneira, um despedimento é uma espécie de condenação à morte. Esta condenação nem vem obrigatoriamente da entidade empregadora. É como se uma dada colónia de animais deparasse, de um momento para o outro, com o esgotamento das reservas alimentares do ambiente onde vive. Uma empresa deixar de ter mercado, sejam quais forem os motivos, é como o esgotamento das reservas alimentares de uma dada colónia animal. Esta condenação à morte proferida pelo mercado é, desta maneira, pensável em analogia com aquilo que acontece na natureza. Sendo assim, porém, ela abre um estranho "direito natural" àquele que é vítima de despedimento, um direito de lutar de qualquer maneira pela sua sobrevivência e a dos seus. Um despedimento suspende, do ponto de vista moral, a ordem cultural e com ela a ordem jurídica. Um despedimento que condena as pessoas ao não trabalho reinscreve as relações humanas na ordem da natureza, na ordem da luta pela sobrevivência, na guerra de todos contra todos. É por isto que a tentativa de certos sectores liberais de reduzir a sociedade ao mercado é dissolvente e perigosa. Os mecanismos do estado social, nomeadamente os da protecção no desemprego, mas não só, são fundamentais para evitar o retorno ao estado de natureza. Têm a função política de assegurar a ordem. O estado social ou o estado providência não nasceram de considerações de ordem moral, não nasceram da bondade do coração humano ou de uma utopia socialista. Nasceram do medo, nasceram como forma de evitar a guerra de todos contra todos. É a ameaça dessa guerra que devemos descortinar cada vez que se noticia este tipo de despedimento colectivo.

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