18/07/09

Ainda a proibição do comunismo

No sequência da boutade jardinista - a anunciar que nos encontramos já em plena silly season, como se o ano todo, na nossa paróquia, não fosse uma enorme, infinita silly season - alguns comentadores aproveitaram para achar (há por cá muitos especialistas em achamento) muito bem que se proibisse os partidos comunistas e afins. Em Portugal, isso representaria tirar a cerca de 20% dos portugueses representação partidária, o que geraria, como muito bem viu Vasco Pulido Valente, uma ditadura talvez mais feroz do que a de Salazar. Como será difícil acusarem-me de simpatias pró-comunistas ou pró-bloquistas, gostaria de sublinhar algumas coisas que foram propositadamente esquecidas.

Em primeiro lugar, refira-se que o comunismo foi uma enorme tragédia nos países onde tomou conta do poder. O comportamento de muitos governos comunistas foi da maior abjecção e o desprezo pela liberdade foi completo e total. Isso passou-se em Portugal? Não. Os comunistas portugueses ou os esquerdistas que deram origem ao BE mataram, perseguiram, prenderam pessoas, ou eliminaram as liberdades políticas? Não, os comunistas e esquerdistas portugueses nunca o fizeram. Mesmo no período mais quente do PREC, o que vai de 11 de Março a 25 de Novembro e 1975 (8 meses), para além da retórica e do enfrentamento político em manifestações de rua, nunca as liberdades foram suspensas e nunca os comunistas e afins controlaram efectivamente o poder. Podemos dizer que todos suspeitavam que o PCP e a extrema-esquerda queriam impor ao país uma ditadura, a chamada ditadura do proletariado. Provavelmente. Mas a verdade é que o não o fizeram. A verdade é que apenas se pode suspeitar de uma intenção. Mas ninguém pode ser condenado por uma intenção, nem se pode julgar intenções quando a elas não correspondem actos. Muito menos se pode julgar os comunistas e esquerdistas portugueses por aquilo que fizeram os seus congéneres na Rússia, na Albânia ou no Cambodja.

Em segundo lugar, o PCP, fundamentalmente, e alguns grupos de extrema-esquerda tiveram um papel importante na resistência à ditadura de Oliveira Salazar, essa sim anuladora das liberdades públicas. E se, em Portugal, houve organização política que se bateu pela liberdade foi o PCP. Objectivamente e olhando a factos, e não a intenções ou suspeições, os comunistas portugueses foram os grandes, mas não os únicos, opositores da ditadura e os que se bateram efectivamente pela conquista das liberdades políticas. Por outro lado, durante o regime democrático o PCP e o BE têm tido um comportamento político exemplar. Respeitam as liberdades políticas, dão voz a um número significativo de portugueses, desenvolvem, mais o PCP, um trabalho autárquico de qualidade, sinalizam as injustiças sociais, evitam mesmo que certos sectores do país se radicalizem e optem por formas acção anti-parlamentares.

Em terceiro lugar, cabe perguntar, então, por que existe ainda sectores de opinião que julgam dever proibir as organizações comunistas. A resposta não parece muito complexa. Há quem não perdoe o papel dos comunistas e da extrema-esquerda na oposição à ditadura de Salazar. Certos sectores da direita vivem ressabiados com esse papel. Mais, esses sectores nada têm no seu currículo que lhes dê pedigree democrático e liberal. Muitos filhos famílias, hoje convertidos ao liberalismo e à democracia, não encontram na sua história uma herança de homens livres. São filhos dos que apoiaram ou exerceram o poder na ditadura. Tão habituados estão ao pedigree social que não perdoam que outros tenham aquilo que eles não têm.

Há ainda um outro motivo, mais denso. A força insólita, num país europeu, das organizações com referências ao comunismo deve-se a uma sociedade profundamente injusta. O peso do PCP e do BE são sinal de uma sociedade onde um grupo relativamente restrito se apropriou do bem comum e onde a distribuição dos rendimentos é feita sempre contra os mais fracos. Seria óptimo, para a produção de boa consciência moral e da boa imagem social de certos sectores, que não tivessem de se confrontar - mesmo que isso pouco afecte a sua atitude - com a denúncia da injustiça, denúncia essa que traz sempre à consciência, por muito que ela ideologicamente se proteja, a sensação de rapina que os fortes exercem sobre os fracos.

Questão final: mas se a constituição proibe organizações fascistas, não deveria proibir organizações comunistas? Não. Portugal viveu sob uma ditadura para-fascista. Portugal nunca viveu numa ditadura comunista. É bom que não esqueçamos a evidência.

1 comentário:

maria correia disse...

Interrompo algum descanso das últimas semanas para dizer Bravo ao post sobre a «silly season» e as boutades do costume do senhor lá da Pérola do Atlântico...como dizia Miguel Sousa Tavares há pouco tempo, o senhor lá da Pérola do Atlântico tem um «jardinómetro» que o avisa sempr que está na altura em que se tem de começar a falar dele novamente...e sai-se com estas...«pérolas»...