02/06/08

A luz do meio-dia

Um muro enorme e batido pelo sol, as cores incertas salitradas pelos dias, buganvílias já floridas a espreitar pelo cimo. Ao longe, vê-se a torre da igreja, o cata-vento, em corrupio a chiar, lamenta-se do ar fresco que sopra de leste. No chão saibroso há pedras soltas e pequenos buracos. Talvez existam casas do outro lado da rua, mas não as avisto daqui. Um vulto arrasta atrás de si a sombra. A mulher caminha muito devagar, leva uma cesta de verga numa mão; a outra prende a bengala com que se apoia ao andar. Pisa uma fresta de ervas ainda verdes e vai como se temesse um inimigo invisível. A cada passo a sombra torna-se mais densa e escura. A rapariga olha para trás, mas a sombra girou com ela e tornou a esconder-se nas suas costas; é agora um desenho esculpido no muro. Sente-se uma respiração entrecortada, talvez um soluço. Quando ela ergue a bengala, a sombra funde-se no seu corpo e a luz do meio-dia suspende-se naquela rua sem ninguém. Na torre, o sino faz soar as doze badaladas.

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