03/09/08

Santana Castilho - Conhece Andreas Schleicher?

Admito que boa parte dos leitores responda negativamente à pergunta em epígrafe. É alemão, físico de formação com estudos complementares em Matemática e Estatística e responsável pelo PISA (programa bem conhecido entre nós, onde a OCDE compara, periodicamente, a proficiência dos sistemas de ensino de mais de meia centena de países). A revista Veja, de 6 de Agosto, na sua habitual entrevista de fundo (três páginas), ouviu Schleicher sobre as fragilidades da Educação no Brasil. Algumas das suas afirmações são importantes para reflectirmos sobre o que por cá se passa.

1. A jornalista Mónica Weinberg perguntou: "Porque é que a China e outros países em desenvolvimento estão à frente do Brasil?" Schleicher respondeu: "Antes de tudo... são países que decidiram colocar a educação em primeiro lugar. Isso se traduz em medidas... Uma das mais eficazes diz respeito à criação de incentivos para tornar a carreira de professor atraente..."

É! As paixões e as prioridades não se afirmam com discursos e propaganda, mas com medidas. Este Governo passará à posteridade por ter sido o que mais diminuiu os professores e mais desvalorizou a seu estatuto profissional e social. A carreira docente é hoje um coio de burocracia. Os melhores debandam. O contingente no desemprego representa, em número, quase um terço dos activos. Os salários e a autonomia intelectual e profissional dos professores está congelada há anos, à ordem dos anões que mandam. Atraente esta profissão?

2. Pergunta: "A Coreia do Sul investe sete por cento do PIB na educação e o Brasil cinco por cento. É preciso aumentar o orçamento brasileiro?" Resposta: "Não necessariamente... As pesquisas chamam a atenção... para um aspecto menos visível e mais relevante do problema. As verbas disponíveis são muito mal gastas..."Vem a propósito esta referência. Aí temos o Governo, ainda o orçamento para 2009 não é publicamente conhecido, a gerir criteriosamente as fugas de informação e a propalar que vai aumentar as dotações da educação. Esperemos, para ver o que repõe do que cortou. Facto até agora é que, em 2008, nos ficámos por 3,5 por cento do PIB, um belo retrocesso jogado em cima de opções políticas desastrosas e produtivas de enganos (farsa das novas oportunidades, muito ensino profissional de papel e lápis, formação de professores para o desemprego, promoção escandalosa de resultados administrativos, etc., etc.).

3. A dado passo da entrevista, Schleicher fala da "obsessão" em proporcionar os melhores ambientes possíveis à aprendizagem, por parte dos países com melhores resultados. E ilustrou: "Durante uma viagem à Coreia do Sul, presenciei uma cena emblemática da preocupação das pessoas com o que se passa na sala de aula. Enquanto os estudantes faziam a prova para o ingresso na universidade, as principais avenidas de Seul ficaram fechadas para o tráfego. Quando perguntei ao funcionário do Ministério da Educação a razão daquilo, ele respondeu com naturalidade: estudo exige silêncio. Os motoristas que esperem."

Tal como cá! Caixotes de lixo enfiados na cabeça de professores, agressões continuadas e balbúrdia generalizada, que um ridículo estatuto disciplinar permite, em nome dos doces afectos da esquerda moderna e das garantias que as criancinhas malcriadas e os pais desinteressados lhe merecem.

4. De entre outras que o espaço não pode contemplar, deixo uma última citação à reflexão dos patriarcas do "eduquês": "Os professores ainda conduzem as suas aulas guiados muito mais pelas próprias ideologias do que por conhecimento científico. Na prática, eles escolhem seguir linhas pedagógicas motivados por nada além de crenças pessoais e deixam de enxergar aquilo que as pesquisas apontam como verdadeiramente eficaz. Fico perplexo com o facto de a neurociência, área que já permite observar o cérebro diante de diferentes desafios intelectuais, ser tão ignorada pelos educadores".
[Público, 3 de Setembro de 2008]

1 comentário:

Alice N. disse...

Por cá e porque somos especiais (muito mais inteligentes e evoluídos), culpabilizam-se os professores por tudo o que vai mal, crucificando-os e desvirtuando a sua função até ao limite (só não nos arrancam o cérebro e não o substituem por um chip qualquer porque não podem, mas lá vão tentando por outras vias).
Transformar a escola num armazém de meninos onde se desvaloriza a aprendizagem e o esforço, fazer do professor uma coisa estupidamente bur(r)ocrática e acrítica, dar notas (no sentido literal de "dar") e alcançar um sucesso fácil e baratinho, cultivar a aparência e ainda arranjar uns malandros em quem despejar todo o fel, tudo isto é mais fácil, mais barato e, pelos vistos, dará milhões... Para o bem da Nação. Ámen!