09/09/08

O cristianismo

Pergunto-me por que motivo e apesar de tudo não posso deixar de ser cristão. Encontro nas últimas palavras de Mircea Eliade, em O Mito do Eterno Retorno, a resposta: «Neste aspecto, o cristianismo revela-se incontestavelmente a religião do homem “desiludido”: e isto na medida em que o homem moderno está irremediavelmente integrado na história e no progresso e em que a história e o progresso constituem uma queda que implica, em ambos os casos, o abandono definitivo do paraíso dos arquétipos e da repetição.”

Vivo na história e tenho consciência disso e vejo o progresso empurrar-me sei lá para onde. Isso que me iludiu durante um instante na juventude causa-me, agora, um enorme desprezo. Não há ninguém mais desprezível do que os homens vitoriosos do progresso. Erguem aos céus, em sinal de triunfo, as mãos fechadas, mas dentro delas não têm nada. Cada palavra que proferem, cada acção que praticam, cada gesto que executam, apenas indicam uma coisa: nada. Ser um homem histórico comprometido com o progresso é o ideal de qualquer autarca de província. Em nome dos ideais de cada autarca que habita nos homens de progresso cresce, à nossa volta, um vazio cada vez mais ruidoso e sombrio, que a tudo coloniza e a tudo destrói. É por esta desilusão que encontro o cristianismo, mas mesmo aí já só avisto homens de progresso e autarcas cheios de futuro. Trocaram o crucificado pelo homem da regisconta.

1 comentário:

maria correia disse...

Obrigada por nos trazer à memória Mircea Eliade. Acabei de traduzir uma frse de Georg Luk´cs: «...sob a dominação do capital, os trabalhadores se vêem a si próprios mais como objectos fragmentados do que como sujeitos do processo histórico.» Talvez essa sensação de «perda» ou de «queda» tenha a ver com isto.