Um texto de Kant para o Zé Ricardo
Por causa de uma certa conversa sobre filosofia e literatura, aqui vai um texto de Kant retirado desse compêndio de insipidez literária que é, diz-se, a Crítica da Razão Pura. Ora vejamos:
«Percorremos até agora o país do entendimento puro, mas também medindo-o e fixando a cada coisa o seu lugar próprio. Mas este país é uma ilha, a que a própria natureza impõe leis imutáveis. É a terra da verdade (um nome aliciante), rodeada de um largo e proceloso oceano, verdadeiro domínio da aparência, onde muitos bancos de neblina, e muitos gelos a ponto de derreterem, dão a ilusão de novas terras e constantemente ludibriam, com falazes esperanças, o navegante que sonha com descobertas, enredando-o em aventuras, de que nunca consegue desistir nem jamais levar a cabo. Antes, porém, de nos aventurarmos a esse mar para o explorar em todas as latitudes e averiguar se há algo a esperar dele, será conveniente dar um prévio relance de olhos ao mapa da terra que vamos abandonar, para indagarmos, em primeiro lugar, se acaso não poderíamos contentar-nos, ou não teríamos, forçosamente, que o fazer, com o que ela contém, se em nenhuma parte houvesse terra firme onde assentar arraiais; e, em segundo lugar, perguntarmos a que título possuímos esse país e se podemos considerar-nos ao abrigo de quaisquer pretensões hostis.» (Kant, CRP, trad. portuguesa de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Gulbenkian, pp. 257)
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O que é extraordinário neste texto é o recurso de Kant a uma belíssima metafórica para resumir todo o seu pensamento sobre a metafísica enquanto ciência. Se alguma vez voltasse a ensinar Kant, começaria por este texto. Quando, nas aulas de Filosofia Contemporânea, o professor, Manuel do Carmo Ferreira, o atirou para a nossa frente ficámos todos de boca aberta. Alguns de nós já o tínhamos lido, mas de facto não o tínhamos "lido". São estas "pequenas" coisas que se devem aos grandes professores.
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