Voltemos ao artigo de Adriano Moreira publicado ontem no
DN e do qual se reproduziram
aqui os excertos mais significativos. O artigo vale a pena ser lido, porque nele está presente uma análise que se funda num olhar arguto e sábio do fenómeno político. Assim, destaquemos os seguintes pontos:
1. Na nova situação mundial, a agressão económica tornou-se um instrumento estratégico da maior importância e perigosidade.
2. A Europa, nesta nova situação, está particularmente vulnerável. Esta vulnerabilidade é dada por um conjunto de carências: matérias-primas, energia, mão-de-obra e de confiança.
3. A globalização está a implicar uma alteração do peso dos protagonistas: as antigas colónias têm agora a iniciativa, enquanto as antigas metrópoles europeias sofrem as consequências da sua intervenção.
4. A crise foi gerada por um sistema económico global. Este foi instalado com “oferecida abonação científica” e “pouca governança” (sic).
5. Essa mesma crise está a gerar grandes protestos, pois “a pobreza crescente, o desemprego, e a fome, incitam ao exercício de direitos naturais pouco condescendentes”.
É preciso meditar até ao fim as palavras de Adriano Moreira. Em primeiro lugar, ele mostra que o problema da economia global não é um problema de mercado, mas um problema político. Certas potências estão a utilizar a “agressão económica” como instrumento estratégico. O Ocidente, com pouca clarividência ou através de um claro acto de traição dos governos aos seus povos, descurou não apenas o interesse dos seus, como abriu o flanco para que os inimigos utilizassem a economia como arma numa política que visa a destruição desse mesmo Ocidente. É preciso perceber que o par conceptual fundamental do pensamento político é o par amigo/inimigo. Quando o Ocidente abriu as portas, os seus inimigos fizeram o que lhes competia: assestaram os golpes mais rudes que conseguiram. E, se olharmos lucidamente para a realidade, continuarão a fazê-lo se o medo não lhes tolher a audácia.
A fragilização do Ocidente, nomeadamente da Europa, prende-se com factores estruturais (matérias-primas, energia, mão-de-obra). Estes factores já eram fundamentais no século XIX, como o lembra Adriano Moreira, e foram eles que desencadearam os processos de colonização. Agora, porém, a Europa está tolhida. Qualquer movimento expansionista seria uma catástrofe, para além da ausência, no actual contexto, de qualquer legitimidade para tal exercício. A Europa pode ser ainda a maior potência comercial do mundo, mas que futuro terá quem não possui matérias-primas, energia e mão-de-obra? Mais, que futuro terá um espaço político nessa situação, que ainda por cima pode estar rodeado de inimigos?
Mas aos problemas externos, adicionam-se os internos. Adriano Moreira refere os protestos que há por toda a Europa e diz mais: centram-se em direitos naturais pouco condescendentes. Há, no texto de Moreira, uma ambiguidade sibilina. Parecendo tratar da necessidade da confiança e do reforço da preocupação política por parte dos governos, o que ele pré-anuncia é o direito dos povos à revolta. E essa revolta é uma revolta legítima pois prende-se ao exercício de “direitos naturais” fundamentais. Há, no texto, uma subtileza muito interessante. Enquanto, os teóricos e os próprios agentes políticos tendem a dividir os direitos, sublinhando o antagonismo entre os direitos civis (vida, liberdade, propriedade e integridade da pessoa), oriundos do direito natural de Locke, dos direitos sociais (os provenientes do Estado-Providência), Adriano Moreira faz um curto-circuito e mostra como os direitos sociais, embora ele não os refira a não ser indirectamente, se inscrevem nos direitos civis fundamentais. Quem conhece a teoria lockeana sabe perfeitamente da legitimidade da revolta perante o poder que não respeita os direitos civis (cf. Carta sobre a Tolerância).
A partir do texto citado, podemos compreender a situação da Europa decorrente do processo de globalização iniciado e incentivado por Margareth Tatcher e Ronald Reagan. A Europa tornou-se politicamente muito frágil, abrindo o flanco aos seus inimigos externos e criando condições para grandes rupturas sociais internas. Restam-me duas dúvidas:
1. Será que para enfrentar estes trabalhos de Hércules bastam lideranças fortes? Não será já demasiado tarde?
2. Será possível que as elites políticas europeias percebam a situação enquanto não abandonarem o conceito de «economia-política»? Mas será possível que elas abandonem o conceito fundamental que estruturou o pensamento liberal e o pensamento marxista, dominantes no Ocidente?