06/09/08

Vasco Pulido Valente - Democracia e mediocridade

No ataque a Obama, a Convenção do Partido Republicano, que não podia recorrer ao racismo puro e duro (embora indirectamente o fizesse), preferiu concentrar o seu ódio ao homem no que nele, a seguir à cor, acha mais detestável: a educação. Isto pode parecer estranho num partido dedicado à independência, liberdade e criatividade do indivíduo de que falou sempre com grande entusiasmo. Mas não é. O que os republicanos detestam em Obama é uma educação aristocrática e privilegiada (Direito Constitucional em Harvard e, a seguir, em Nova Iorque, na Universidade de Columbia) e o respeito que ela ainda inspira. Em compensação, a candidata à vice--presidência, Sarah Palin, é muito estimada por ter tirado um vago curso de Jornalismo e um mestrado sem valor numa universidade desconhecida.


Como diria Luís Filipe Menezes, se por lá andasse, Obama é um "elitista" do Leste; Sarah uma perfeita representante das "bases". Obama não merece confiança, porque pensa bem e fala bem, e porque, percebendo a complexidade do mundo, não o vê com a intolerância e o primitivismo do americano "normal". A uma pessoa assim, quase um "europeu", com certeza que falta a convicção e a coragem para impor a supremacia da América e para "sentir" a difícil vida dos "pequenos". Sarah Palin, com duas noções desconexas na cabeça e a brutalidade dos simples, pertence, real e simbolicamente, à mítica "pequena cidade" do interior que o cinismo urbano não conseguiu contaminar; à "pequena cidade" ordeira e beata, em que vizinhos se ajudam e o "espírito comunitário" não enfraqueceu.

Os comentadores de serviço explicam que o voto depende de uma identificação entre o candidato e o eleitor. O candidato precisa por isso de um "tecido conjuntivo", que o ligue ao eleitor. Infelizmente, o "tecido conjuntivo" é, por um lado, um tecido de ignorância e de incultura, e, por outro, de "verdades bíblicas", de nacionalismo acrítico e de ressentimento por uma pobreza inescapável. Quando foi eleita governadora, Palin vendeu o avião do estado do Alasca, despediu o cozinheiro da residência oficial e despediu também o motorista, para guiar ela, humildemente no seu carro, para o trabalho. A essa não falta o "tecido conjuntivo" que falta a Obama. Só que o populismo, com democracia ou sem ela, e na América como em Portugal, acaba inevitavelmente por desprezar a inteligência e por exaltar e preferir a mediocridade. O que talvez promova a igualdade, mas não promete nada de bom. [Público, 6 de Setembro de 2008]

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