03/04/08

Sobre pintura e desenho de Gustav Klimt - Nove



09 – Gustav Klimt - Die große Pappel II [O grande choupo II]

Nove

Porque crescem as árvores para o céu? Procuram
os deuses ou apenas abdicam cansadas das ilusões
da terra? Se houvesse palavras para dizer
o abandono, se as sílabas ainda a outras se ligassem
e à língua que me coube dessem vida, talvez
descobrisse o segredo que se esconde
na planície coberta de flores.

O relógio parou no meio-dia, o deus adormeceu,
e tudo na terra se esconde na choupana débil
onde o terror talvez não encontre abrigo.
Se a sombra crescer e do choupo vier um risco
pelo chão, voltarão os animais ao pasto
e as mulheres trarão os seus gritos delicados
e as madeixas matinais a voar ao vento.

Acordemos o deus e oiçamos a sua flauta
e ébrios de música recuperemos as sílabas e
as palavras para que das gargantas nasça um canto,
e a voz lamentosa da terra se curve
à sombra da árvore, da grande árvore da vida e da morte,
e num grito cego faça crescer o feno na campina
e a alegria na solidão anil dos teus olhos.

Acordemos o deus, pois a sombra do choupo
há muito risca de negro a terra, acordemo-lo
entre taças de vinho e canções de júbilo.
Acordemo-lo e dancemos tarde fora
e tomemos por palco o horizonte do mundo
e os lugares abandonados pela floresta
e as casas amplas de onde todos partiram para o mar.

Porque cresce a árvore para o céu, se o deus não acorda?
Oiço, vindos do mar e da terra e dos céus, gritos lancinantes,
e a árvore cresce, oiço o gemer das flores e dos regatos,
e a árvore cresce, oiço o troar doloso das pedras pelo chão,
e a árvore cresce, oiço o pulsar febril do coração,
e a árvore cresce, oiço a seiva a nascer do corpo e do sangue divinos,
e a árvore cresce e cresce e cresce,
e não mais sombreará o meu sonho de escutar
o som da flauta a sorrir na disforme boca do deus dos campos.

Jorge Carreira Maia, Sobre pintura e desenho de Gustav Klimt, 2008

1 comentário:

maria correia disse...

o deus está acordado...os homens é que o não ouvem. Mas, pelos vistos, o JCM ouve-o. Obrigada pelo seu maravilhoso panteísmo. Faz falta.