Sobre pintura e desenho de Gustav Klimt - Oito
08 - Gustav Klimt - Obstgarten, um 1898 [Pomar]
Oito
Vejo um eco de água na sombra dolente da paisagem,
uma ameaça de erva cresce na quietude da terra
e ao longe tudo se funde em céu e horizonte.
Porque são meus olhos tão turvos?
Mal distinguem os ramos e se com ânsia procuram
o rasto breve da tua sombra, apenas
encontram a pesada manhã da ausência.
Eram assim os pomares da tua infância,
dispersas árvores a infectar os campos,
a assolar a terra de folhas, a contaminá-la
de frutos maduros. Foi pela precária noite
que, sonâmbula, descobriste os rotundos seios
presos em ramos tão frágeis, o vento os vergava,
e, ao inclinarem-se, desprendiam-se, com um ruído
de dor, do tronco ansioso pela feroz partida de um filho.
Pomares de cetim, corpos brancos de seda,
palavras de veludo, tudo é agora um caos sem cor
e sem ordem. Mas se torno a olhar o esbranquiçado céu,
a luz ilumina os esquivos vultos e invento
árvores e frutos e pomares sobre a erva verde
e descubro no vazio da ausência
o lugar onde repousa o Inverno das tuas mãos.
Fosses apenas a escrava das palavras que te dou e
ainda os céus sonhariam o azul triunfante
sobre um destino de nuvens e tempestade.
Senhora de pomares e campos, virgem campestre,
és a agonia que me aumenta no peito o turvo desânimo:
preso no eco de água onde te sonho
abro a boca e mergulho no fruto, do teu peito virá.
Jorge Carreira Maia, Sobre pintura e desenho de Gustav Klimt, 2008
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