23/01/08

Uma questão de fé

Alguém duvida que os professores perderam e que perderão ainda mais, independentemente das suas razões? Esta fotografia revela mais do que as palavras e as acções da ministra da educação. Quando olhamos, o que vemos? Um universitário imbuído de razões? Não. Um político habitado por estratégias para assegurar o poder? Também não. O que vemos? Vemos alguém marcado pela chama da fé. Há uma fé ardente que habita esta mulher que governa a educação em Portugal. Como todos sabem, quando alguém é habitado pela fé, não há razões, por mais claras e distintas, que abram uma clareira de dúvida nesse espírito tomado pelo sopro do fogo divino. Durante estes anos, não há um momento sequer em que tenha escutado e ponderado as razões adversas. Só a fé pode fazer marchar contra a opinião e a experiência da generalidade dos professores. Só um sentimento de pureza inviolável marcado pela crença na predestinação alimenta uma a vontade inabalável de vergar e humilhar até à última gota todo um grupo social.

Esta fotografia, de Paulo Ricca do Público, fez mais pela minha compreensão do fenómeno «ministra educação» do que a observação e análise da sua acção. A frieza exterior e o fogo interior fazem lembrar os grandes heréticos, homens e mulheres portadores de uma visão pura e que estão dispostos a tudo para a impor ao mundo, uma visão em que a realidade suja e promíscua não tem qualquer peso. Quem conhece um pouco de história da Europa ou leu John Locke, sabe o que acontece quando a fé tem o braço do poder por trás. Não haverá qualquer concessão. Sob o império da força legítima, os professores acabarão pura e simplesmente destroçados, a profissão ficará completa e totalmente degradada, não haverá qualquer concessão para com os descrentes da nova religião, nem sequer o agnosticismo será permitido. Pelas escolas há gente que começa já a sentir o cheiro do fumo que se eleva das fogueiras que ainda não estão a arder. Em breve, virão os autos-de-fé. Quando uma personagem dotada de fé chega ao poder, nem precisa de mexer um dedo, os pequenos torquemadas aparecerão dispostos a purificar o ambiente.

3 comentários:

jlf disse...

Texto magnífico. De pungente sensibilidade. De perturbante alarme.
Premonitório?
Receio que de aterrador realismo.
Mas eu tenho esperança numa "volta".
Eu - que não sou optimista - tenho essa esperança.

Jorge Carreira Maia disse...

Julgo que à entrada de cada escola pública deveria estar escrito aquele magnífico verso de Dante que Vasco Graça Moura traduziu assim: «Deixai toda a esperança, vós que entrais.»

Esse mesmo, aquele que o poeta afixou na porta do Inferno.

É muito curiosa a resposta de Virgílio, quando o poeta lhe diz: «Mestre, o seu sentido é duro.»
Virgílio:
«Convém deixar aqui temor secreto;
convém toda a vileza seja morta.
Viemos ao lugar onde o aspecto
verás, to disse, à gente dolorosa
que já perdeu o bem do intelecto.»

Quer melhor sítio do que a nova escola para quem já perdeu o bem do intelecto?

Abraço.

maria correia disse...

Bom, fico-me pela esperança. A Inquisição já não existe, (embora haja resquícios dela no novo papa, mas com pouca força, pelo menos, já não se queima pessoas...)

Deixo, no entanto, uma questão: Por que razão valores mais altos não se levantam? Sei lá, manifestações em massa pedindo a demissão da senhora Torquemada?