25/01/08

O reconhecimento dos professores e o seu papel político

O reconhecimento do papel político dos professores está expresso na sondagem mundial da Gallup sobre a profissão que merece mais confiança e à qual as pessoas dariam mais poder. Em Portugal, e na Europa ocidental em geral, a profissão que merece maior confiança é a dos professores. Em Portugal, também se atribuiria mais poder aos professores. Na Europa, essa atribuição seria em primeiro lugar para os intelectuais e a seguir para os professores (cf. Público). No mundo, os professores só são batidos pelos líderes religiosos, em África.

Estes dados são muito interessantes pois evidenciam uma coisa que não se vê: o importante papel político do professor. Papel político? Expliquemo-nos. Por norma, vê-se a política apenas a partir de três pontos de vistas: o das elites políticas (as que exercem a função da criação da lei e da tomada de decisão); o do poder judicial (que assegura a paz público pela aplicação da lei); o das forças policiais e militares (que asseguram a ordem interna e a defesa contra as ameaças externas).

Mas todos estes poderes (político, judicial, militar e policial) só existem porque existe uma comunidade que quer ser soberana e quer viver em conjunto. Então qual o papel dos professores? Nas sociedades modernas, são eles que criam continuamente a comunidade política, que constroem um clima de querer viver em comum, que educam as novas gerações para a cidadania. Aos professores a sociedade confia-lhes não a educação pessoal dos novos membros, mas a construção do cidadão e a manutenção do espírito que assegura que uma comunidade política continue a querer sê-lo. Esta construção faz-se não por manipulações partidárias, mas pelo ensino da língua pátria, da história, das ciências, da filosofia, das artes e das técnicas. Um aluno, numa escola, torna-se português ao aprender a ler, a escrever, a contar, a pensar em português e no âmbito dos valores portugueses.

Os políticos dirigem uma nação soberana, as polícias e os juízes asseguram a ordem e a paz públicas, os militares defendem essa soberania. Os professores, porém, fazem mais do que tudo isso: criam o desejo de soberania, criam os mecanismos de consenso social que nos faz querer ser membros de uma comunidade, criam, em cada dia que passa, essa comunidade. Foi isto que os portugueses, e a generalidade dos povos, reconheceram.

É muito curioso que mesmo depois de três anos de ataque impiedoso e ignóbil, por parte do actual governo, aos professores, estes sejam a profissão que maior confiança merece. É muito interessante pensar porque é que os agentes políticos que menos confiança merecem dos povos (os actores políticos) tratam de forma tão aviltante o grupo social mais confiável. É interessante também perguntar porque nunca os professores viram reconhecido o seu importante papel na construção da soberania de um povo.

Não conheço, julgo que não há, investigação empírica sobre o assunto. Avanço, porém, uma tese: A deontologia do professor obriga a tratar todos os alunos como iguais, diferenciando-os não pela origem social ou outra, mas pelo desempenho, enquanto os grupos políticos respondem a interesses particulares e, apesar da retórica sobre a igualdade perante a lei, as suas decisões acabam sempre por servir uma parte da comunidade contra as outras. A deontologia docente é o contraponto da praxis dos decisores políticos.

É no professorado que se encontra de facto o ideal de comunidade. É ele que, muitas vezes sem o saber, o transporta e o transmite, todos os dias, na sala de aula. Não deixa de ser interessante que os cidadãos reconheçam este facto e que os governantes o neguem sistematicamente. É interessante também considerar que portugueses dariam mais poder aos professores, enquanto o actual governo o diminui todos os dias.

Mas não será essa atitude perante o professorado a exacta imagem da pouca consideração que a classe política governante tem pela comunidade como um todo? Foi isso também que os portugueses reconheceram não apenas quando disseram que os professores são a profissão mais confiável e a quem dariam mais poder, mas que os políticos são a menos e, por isso, menos merecem o poder que têm.

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