O Papa, os cientistas e os pobres homens
O Papa tinha sido convidado para participar na abertura do ano lectivo da Universidade romana La Sapienze (cf. Público). Gerou-se de imediato um clima de contestação, com um grupo de professores a dizer que a visita papal os humilha e ofende. Tudo porque há 20 anos o Cardeal Ratzinger terá citado, segundo uns, um filósofo austríaco que terá dito que o julgamento de Galileu foi racional e justo, ou, segundo outros, ter-se-á mostrado favorável ao julgamento de Galileu por heresia. O grupo de professores afirmou mesmo que Bento XVI é “um teólogo retrógrado que põe a religião à frente da ciência”. Resultado do charivari: o Papa desconvidou-se da cerimónia. Este é um episódio gratificante e de forte pendor didáctico. Vejamos:
1. Ratzinger tem uma propensão significativa para as citações, nomeadamente para aquelas que dizem coisas que os outros não gostam de ouvir. Umas vezes são filósofos, outras vezes são imperadores; umas vezes aborrece os cientistas, outras os muçulmanos. Seja como for, a citação matreira lá vai saindo.
2. Esta ambiguidade, que parece muito característica de Bento XVI, deixa as pessoas perplexas e desconfiadas. Que pensará efectivamente sobre o julgamento de Galileu? Recorde-se que Galileu foi absolvido, pela Igreja Romana, em 1999 das acusações de heresia, absolvição que deverá ter tido a mão de Ratzinger, devido ao papel que ele tinha, na altura, na Congregação para a Doutrina da Fé (antiga Inquisição). Seja como for, o que ressalta é ainda a tensão entre religião e ciência. E muitos de nós, onde me incluo, têm uma desconfiança acentuada sobre o que pensa da ciência muita gente ligada à Igreja. Dito de forma mais clara: haverá muita gente que gostaria de rasurar o conhecimento científico que, por exemplo, negasse o significado literal dos textos sagrados: conhecimentos de cosmologia e da evolução das espécies, por exemplo. Em todas as religiões há uma reserva de fundamentalismo que, havendo condições, explodirá.
3. Do lado da ciência, o panorama não é muito melhor. Quando os professores universitários proclamam que Bento XVI é “um teólogo retrógrado que põe a religião à frente da ciência”, o que quereriam eles? Que um Papa achasse a ciência mais importante do que a religião? Queriam que aquilo que diz respeito ao estudo da natureza fosse, para ele, mais importante do que o culto divino?
4. Mas esta atitude dos professores italianos evidencia uma outra coisa. A ciência é uma actividade racional de investigação. No entanto, o culto da ciência tem aspectos irracionais que não diferem do fundamentalismo religioso. A forma como o próprio Galileu é apresentado faz dele uma espécie de santo e mártir de uma religião. Aliás, é uma figura muito curiosa e muito próxima, por exemplo, de Che Guevara. Mas os dois decalcam, na retórica dos cultuantes, a figura desse mártir por excelência que é o Cristo.
5. O que nós, cidadãos deste conturbado mundo, poderemos desejar não será a vitória de um dos campos. O importante é que estes jogos entre as várias linguagens de poder que povoam o mundo (política, religião, ciência, economia) se equilibrem, se anulem no anseio fundamentalista, e permitam assim a existência de uma clareira onde os pobres homens comuns possam existir livremente.
1. Ratzinger tem uma propensão significativa para as citações, nomeadamente para aquelas que dizem coisas que os outros não gostam de ouvir. Umas vezes são filósofos, outras vezes são imperadores; umas vezes aborrece os cientistas, outras os muçulmanos. Seja como for, a citação matreira lá vai saindo.
2. Esta ambiguidade, que parece muito característica de Bento XVI, deixa as pessoas perplexas e desconfiadas. Que pensará efectivamente sobre o julgamento de Galileu? Recorde-se que Galileu foi absolvido, pela Igreja Romana, em 1999 das acusações de heresia, absolvição que deverá ter tido a mão de Ratzinger, devido ao papel que ele tinha, na altura, na Congregação para a Doutrina da Fé (antiga Inquisição). Seja como for, o que ressalta é ainda a tensão entre religião e ciência. E muitos de nós, onde me incluo, têm uma desconfiança acentuada sobre o que pensa da ciência muita gente ligada à Igreja. Dito de forma mais clara: haverá muita gente que gostaria de rasurar o conhecimento científico que, por exemplo, negasse o significado literal dos textos sagrados: conhecimentos de cosmologia e da evolução das espécies, por exemplo. Em todas as religiões há uma reserva de fundamentalismo que, havendo condições, explodirá.
3. Do lado da ciência, o panorama não é muito melhor. Quando os professores universitários proclamam que Bento XVI é “um teólogo retrógrado que põe a religião à frente da ciência”, o que quereriam eles? Que um Papa achasse a ciência mais importante do que a religião? Queriam que aquilo que diz respeito ao estudo da natureza fosse, para ele, mais importante do que o culto divino?
4. Mas esta atitude dos professores italianos evidencia uma outra coisa. A ciência é uma actividade racional de investigação. No entanto, o culto da ciência tem aspectos irracionais que não diferem do fundamentalismo religioso. A forma como o próprio Galileu é apresentado faz dele uma espécie de santo e mártir de uma religião. Aliás, é uma figura muito curiosa e muito próxima, por exemplo, de Che Guevara. Mas os dois decalcam, na retórica dos cultuantes, a figura desse mártir por excelência que é o Cristo.
5. O que nós, cidadãos deste conturbado mundo, poderemos desejar não será a vitória de um dos campos. O importante é que estes jogos entre as várias linguagens de poder que povoam o mundo (política, religião, ciência, economia) se equilibrem, se anulem no anseio fundamentalista, e permitam assim a existência de uma clareira onde os pobres homens comuns possam existir livremente.
1 comentário:
Essa tensão faz parte da dialéctica, tese e antítese, de que é composta a «matéria» do mundo em que vivemos...É através dessa tensão que nos vamos libertando, nós, os pobres homens...
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