Uma educação liberal
Raramente estou de acordo com o que escreve João Carlos Espada (JCE). Não é, porém, o caso de hoje. O seu artigo, Os grandes livros e a educação do carácter, no jornal i, toca no que é essencial na educação universitária. A universidade não pode ser aquilo em que se está a transformar. A educação universitária deve ser uma educação liberal. Liberal aqui deve ser entendido, como o próprio João Carlos Espada refere, como o era na Idade Média, em contraponto com a servidão. Nessa educação liberal o fundamental é a conversação e o contacto com as grandes obras, os clássicos, e também com grandes professores. A universidade deve servir para formar, como afirma Burke na citação feita por JCE, a aristocracia natural que existe em todos os povos. Iria mesmo mais longe, toda a educação deveria servir para formar o que há de naturalmente melhor em cada um dos indivíduos. Deste ponto de vista, toda a educação deve ser aristocrática. Embora, a partir de um certo grau de ensino comum, os percursos se devam diferenciar conforme as aptidões de cada um. Mas desde que uma criança entra na escola deve-se-lhe propor como horizonte o tirar de si aquilo que tem de melhor, seja uma vocação política, científica, técnica ou outra dentro do que é determinado como socialmente aceitável. Só esta educação, que é verdadeiramente uma educação do carácter através da aquisição de um currículo, pode tornar os homens livres e empreendedores. Só uma educação aristocrática é capaz de gerar respeito pelos valores da democracia. E é nisto que o Ocidente está a falhar, desde a escola básica à universidade. Em vez de homens livres, está a formar escravos. Escravos dos seus próprios desejos, já não habituados a uma satisfação diferida, como escravos dos outros a que se venderam por falta de carácter e incapacidade de resistir a si mesmos.
Uma nota final sobre a referência que JCE faz a Platão. Muitas vezes JCE, embora não tenha lido muito do que ele escreveu e possa estar a ser injusto, refere-se a Platão, na esteira de Popper, para o integrar nos advogados de regimes totalitários. Hoje, porém, escreveu algo de mais essencial e de menos anacrónico sobre o autor da República. «Mas seria com Platão e Aristóteles que a ideia de educação liberal viria a receber total consagração intelectual.» Eis uma afirmação com a qual estou plenamente de acordo. A educação dos homens livres é aquilo que visa a filosofia. Diria mais. Sem educação filosófica, não há educação livre nem para a liberdade.
2 comentários:
Se lhe chamássemos, Educação para o reconhecimento da Matriz Ocidental ?
Ontem vimos um filme escrito por 2 americanos, os irmãos Wachowski, o argumento falava sobre Inglterra futurista e as personagens citavam Shakespeare como forma de partilha e de reconhecimento.
Existe um corpo de obras, e não só na literatura, mas na música, na pintura, na arquitectura que nos devolvem o caminho da civilização ocidental, os tropeções e os avanços.
A Escola ( seja qual for o grau) deve ajudar nessa tarefa de reconhecimento. a mera competência técnica não produz cidadania.
E agora descendo do plano ideal: NÃO SERÁ POSSÍVEL EXPECTAR UM MODELO SEMELHANTE, PENSADO POR QUEM SE SENTE EXCLUÍDO DA CULTURA. COMO crianças que por não serem convidadas para uma determinada festa de anos passam a odiar todos os outros, neste exacto momento existe um desprezo mantido e alimentado pela ignorãncia empoderada pelo dinheiro, um desprezo que se manifesta constantemente na forma como se promovem os sub-produtos, o entulho criativo.
É uma questão de escolha, o modelo ideal neste momento não passa pela gentlemanship, passa pelo alarido ao redor do erro, da falha, da quebra. Se na época Vitoriana os vícios eram privados e as virtudes deveriam ser públicas, agora por oposição primária, os Vícios são proclamados e as virtudes camufladas como resquícios incómodos de uma mentalidade atávica.
Post Sciptum : (evito a sigla para não despertar equívocos) Se souber onde como e quando se poderá implementar tal modelo na Escola pública em Portugal por favor faça um post!!!
Uma Paideia no e do Ocidente, portanto (nunca mais me esqueci da obra de Werner Jaeger.
Há uns tempos li um artigo que dizia que o grito/salva dos alunos acabados de se licenciar numa universidade americana era «Money! Money! Money!», erguendo o punho, após o discurso do director, na cerimónia de licenciatura. Tinham sido «formados» para isso. Darão excelentes gestores, claro, aptos a criar todas as crises financeiras mundiais que forem convenientes à corporação onde trabalharem. Creio que na Europa o mal não estará ainda tão instalado nas universidades, mas para lá se caminha. Forma-se «carne para canhão» apesar deste canhão ser pior do que mil guerras.
Enviar um comentário